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N° Registro:191.181, Livro 327, folha 337
A Loira da Matão (72 páginas)
1ª edição 1999 - Editora Scortecci/SP
Autor - Osmar Soares Fernandes
Recém-chegado ao Município de Nova Londrina, noroeste do Estado do Paraná –
minha cidade natal – eu fiquei boquiaberto e curioso com o boato que corria de
boca a boca: A loira fez mais uma vítima! Coitado do caminhoneiro!
A notícia percorreu a
região, sangrou fronteiras, ganhou repercussão nacional. Todo mundo queria
saber: Quem foi dessa vez? Um falava: - Foi o Tamba do l3l3. Outro: - Foi o
Caolho Caçambeiro. E muitos diziam: - “FOI O JAPA, CARRETEIRO; O NEGÃO, DO
TANQUEIRO. ENFIM, NINGUÉM SABIA AO CERTO”.
O incrível era, que, de jovens a velhos, todos comentavam alguma história sobre
a “Loira da Matão”. Comecei então a bisbilhotar o caso. Tornei-me um caçador
dessa história. Levei alguns apetrechos importantes para registrar minhas
entrevistas, tais como: um gravadorzinho de bolso, agenda e caneta.
Durante, aproximadamente, três meses, investiguei, conversando com os moradores
da Fazenda Matão, circunvizinhos, trabalhadores rurais e muitos caminhoneiros.
Muita gente foi enfática a me afirmar que essa história não passava de fofoca,
de boato mesmo, de história de caminhoneiro. Que era uma lenda. Por outro lado,
um batalhão de caminhoneiro, alguns moradores, donos e funcionários de pequenas
empresas – localizadas nas proximidades do local do medo – chegaram a me jurar
de pés juntos, que, há mais de cinquenta anos a loira vem aparecendo,
assombrando, perseguindo e aniquilando não só caminhoneiros, mas, também
ciclistas, motoqueiros, moradores e transeuntes. Diziam que a maioria das
vítimas tem vergonha de se expor, por “razões que a própria razão desconhece. ”
A lei do silêncio impera por algum mistério... Que, muitos acidentes estranhos
e inexplicáveis já aconteceram naquele trecho, onde “ela” aparece e pede
carona. Que, muitos religiosos de várias crenças realizam ali, missas, cultos,
passes espirituais e benzimentos. Que, o fato é assustador, sobrenatural, do
outro mundo mesmo.
Como se
montasse um quebra-cabeça, eu juntei algumas peças e desvendei a seguinte
história:
Na década de sessenta, um rico senhor americano comprou uma propriedade fazendo
divisa com a Fazenda Matão, município de Loanda– Estado do Paraná. Com sua
família veio morar nela. Tinha uma bela filha de dezessete anos: loira, cheia
de charme e muito mística. Algum tempo depois, ela conheceu um rapaz, o
verdadeiro amor de sua vida. Namoraram, noivaram, e marcaram a data do
casamento. Casaram-se num sábado. Dia de sol e de muita colheita... fizeram a festa
de matrimônio mais bela e requintada de que se tem conhecimento por aquelas
redondezas, até hoje. Depois dos comes e bebes, partiram, no instante do adeus
do astro-rei, felizes, repletos de amor, cúmplices da paixão, e seguiram rumo
ao doce sabor do sonho da lua-de-mel.
Ao sair da estrada vicinal, entrando na rodovia BR-376, no meio da Fazenda
Matão, o carro quebrou. Alguém parou para ajudá-los. Ofereceu ajuda e, sem
nenhum motivo, com uma chave de fenda em punho, desferiu um golpe certeiro no peito
do noivo, que caiu morto. A garota, ainda vestida de noiva, saiu correndo
gritando, pedindo socorro, desesperadamente, mas, foi tudo em vão. O assassino,
ao alcançá-la, imobilizou-a com um golpe de jiu-jítsu, e, ao amordaçá-la com
algodão, cometeu o mais bárbaro crime contra uma pessoa indefesa, estuprando a
garota covardemente. Não resistindo à brutal violência animalesca, naquele
local, faleceu. O maníaco eviscerado, friamente, como se nada tivesse
acontecido, juntou os corpos, e os enterrou numa vala, trezentos metros mata
adentro; desapareceu com o veículo dos noivos e sumiu, não deixando pistas.
Muito tempo depois, ao ser descoberta a sepultura do casal, e constatado
através de autópsia, o crime hediondo, o pai da noiva ofereceu, em recompensa,
uma fortuna em dinheiro para quem lhe trouxesse a cabeça do monstro homicida
vivo ou morto. Mas, até hoje ninguém, nem a polícia, o prendeu.
A partir desse crime trágico, a aparição da “Loira da Matão” tem sido uma
constante e um pesadelo assombroso em toda a região do noroeste paranaense.
Depois que se espalhou o boato sobre a aparição da “LOIRA FANTASMA”, a um
caminhoneiro, naquele trecho, num certo dia à noite, muitos caminhoneiros não
trafegam mais por ali ao anoitecer.
Por isso, ela ficou cognominada: “A LOIRA FANTASMA DOS CAMINHONEIROS”. O que
não a impediu de aparecer para inúmeras pessoas.
Relato de um caminhoneiro
Um caminhoneiro, que pediu para não ser identificado, jurou-me, por tudo o que
havia de mais sagrado, tê-la encontrado duas vezes, numa mesma noite. Já tinha
ouvido falar dela antes, porém, achava tudo uma lorota, uma balela, conversa
fiada; não cria na sua existência. Achava que era pura invenção do povo que não
tinha o que fazer que, inventava aquilo para amedrontar os caminhoneiros e os
furtadores de laranja à beira da estrada. Era um homem cético nesses assuntos
sobrenaturais. Acreditava que quem morria não voltava para perturbar ninguém.
Mas que, se, hoje, lhe falarem que um cachorro fala, um papagaio pensa e um
elefante toca piano, ele já não duvida de mais nada.
E
contou-me a seguinte história:
- Certo dia, eu peguei
um frete – uma pequena mudança de Marilena a Paranavaí. Entre nove e dez horas
da noite, justamente no trecho do pavor, no quilômetro cinquenta e quatro, um
pneu do caminhão furou. Era sábado, noite de lua cheia... Bonita. Parei no
acostamento e desci. Ao pôr os meus pés no chão, eu senti algo estranho, um
arrepio esquisito. Olhei instantaneamente à mata que roncava em sono profundo.
O barulho dos bichos noturnos e o chirriar da coruja ressoavam em eco de
encanto, espanto e magia. A escuridão penetrava, furiosamente, o coração da
relva virgem. Nunca tinha sentido medo de coisa alguma, no entanto, naquele
momento, fiquei transfigurado, paralisado, congelado até a alma.
Ao perceber, por entre as folhagens um vulto que vagarosamente surgia e
ressurgia do nada. Seu espírito ia se materializando... Seus olhos eram
tristes, porém verdes e encantadores. Seu rosto, meigo como o de um anjo. Seus
cabelos, longos e cor-de-mel. De seu corpo umedecido, escultural, torneado como
o de uma musa inspiradora, pingavam gotículas de orvalho. No emaranhado de
cipós deslizava-se como uma pantera e vinha ao meu encontro iradamente.
Senti-me colado ao chão, fui tomado por uma síncope descomunal. Estático, não
pude nem correr, nem gritar. O instante de perigo foi mágico! Engoli a voz,
fiquei com os olhos esbugalhados. Meu subconsciente me revelou de supetão: “É a
Loira da Matão!”. Senti instintivamente que “ela” ia me pegar, e, sem titubear,
apelei urgentemente para o meu santo protetor, São Cristóvão. Supliquei-lhe e
implorei-lhe por socorro... Fiquei aliviado e maravilhado quando voltei em mim
e percebi que tinha sido protegido por ele, quando vi aquela alma vagante sumir
como um raio mata adentro.
Recuperado do susto, troquei o pneu e pus o pé na estrada. Restabelecido,
comecei a cantarolar músicas sertanejas... Já havia andado mais ou menos uns
cinco quilômetros, quando, de repente, parei de cantar e pensei: “Aquilo foi
uma miragem, um sonho, um devaneio. Afinal, estou cansado, sem dormir desde
ontem, vida de caminhoneiro não é fácil! A gente começa a ver coisas estranhas.
Até fantasma aparece! ”convenci-me que tinha cochilado... sonhado, tido uma
alucinação, sei lá! Coisas da insônia... quem sabe? ”.
Repentinamente, olhei na estrada e vi uma linda mulher, loira, linda, daquelas
de arrepiar até a alma! Acenava e me pedia carona. Como bom cristão que sou,
diminui a velocidade do meu “garanhão”, pensei em parar e levá-la. Mas, ao me
aproximar, lembrei-me da miragem, do pesadelo, daquela coisa que tinha visto
minutos antes, e, ainda meio confuso, traumatizado, pisei fundo no acelerador e
saí na disparada... Juro que me esqueci nesse momento o meu lado caridoso.
Nervoso, liguei o rádio, acendi um cigarro e tentei não pensar naquilo.
Meu caro caçador de história, quase morri de medo, quando olhei à minha direita
e vi-a sentada ali, do meu lado, e, sem saber o que fazer – e nem sei como ela
entrou – comecei a orar e a rogar para todos os santos. Mas, nada adiantava,
ela continuava ali, como quem desejasse se comunicar. Enfurecida, ela começou a
se metamorfosear: seus olhos começaram a lampejar; de seus ouvidos, nariz e
boca brotavam algodão, muito algodão ensanguentado; de seu corpo em erupção
jorrava sangue por toda parte e exalava um odor, um mau cheiro insuportável...
Aos poucos foi se decompondo... Era coisa d’outro mundo, cara! Eu fiquei
desesperado, perdi o controle do caminhão que no asfalto derrapava num e noutro
acostamento, num ziguezague... Eu vi a morte sentada ao meu lado, fiquei frente
a frente com a feiura da morte. Nunca vi nada tão horroroso em toda a minha
vida. Sentindo que eu ia morrer, vendo a morte de perto sentada ao meu lado,
comecei a orar e a clamar por Deus, em nome de Jesus Cristo Nosso Senhor,
dizendo: Salve-me, senhor! Salve-me, senhor! Sangue de Cristo tem poder! Perdoa
os meus pecados! Eu acredito! Eu acredito em Deus!...
E, o bicho, transfigurado, como “fênix”, ressurgiu daquela coisa gosmenta,
olhou pra mim, como quem me dissesse por telepatia: Estou decepcionada. E,
imediatamente, voou pela boleia do caminhão, esvoaçante e, misteriosamente,
desapareceu na escuridão.
Depois, segui minha
viagem e confesso que, por ali, naquele trecho do medo, não passo ao anoitecer
de jeito nenhum, nem que me pague uma fazenda de café, um caminhão de dinheiro,
porque o bicho é feio, fede como gambá e é assustador... Deus que me livre!...
Ninguém merece se deparar com aquela coisa doutro mundo.
O Motoqueiro
Eu mesmo fui testemunha ocular de um momento atípico, inexplicável, e, até
cômico, engraçado: Enquanto eu entrevistava um borracheiro, por volta das dezoito
horas daquele sábado, surgiu como um furacão um motoqueiro e a sua
acompanhante, ambos estavam de cabelos em pé, trêmulos, com os olhos
arregalados e assombrados... Não conseguiam pronunciar uma palavra
corretamente. Somente alguns instantes depois a mulher parecendo um espantalho,
disse:
- Há uns dois quilômetros atrás fomos perseguidos por um ser estranho, que
flutuava ao nosso lado, e quanto mais o Caju pisava, corria com a moto, mais o
vulto nos acompanhava e nos seguia como um fogo esvoaçante. Nunca vi nada igual
em toda a minha vida. Pensei que fosse morrer!
O motoqueiro, sem graça – um negão de quase dois metros de altura – recompôs a
voz, e disse para o borracheiro:
- Cara, eu tô todo borrado, tô podre... Cagado mesmo! O que era aquilo pelo
amor de Deus! Jesus Cristo! Nunca tinha visto uma assombração em toda a minha
vida. Pensava que isso era coisa de filme de ficção, sei
lá!
Desengonçado,
cabisbaixo e resmungando muito, acrescentou, dizendo:
- Confesso, sou medroso pra caramba. Tô muito envergonhado. Mas preciso do seu
banheiro para me limpar.
Depois do banho, agradeceu... “E, com a sua garota seguiram para o bailão
em Loanda”.
O velho borracheiro, assim que o motoqueiro deitou o cabelo, me
disse:
- Essa Loira já deu muito que falar, eu já ouvi cada história sobre ela que até
Deus duvida! Mas, eu nunca tinha me deparado com um fato em que eu fizesse
parte da história dela... Eu me sinto neste momento um figurante. Mas, que o
cara se defecou todo, ah, isso defecou!
O borracheiro riu muito... E, eu também.
O sussurro revelador
Era noite de sábado. Passavam das duas horas da manhã. Ivo e Beatriz voltavam
de um churrasco entre amigos da cidade de Guairaçá para Nova Londrina. Junto
com eles vinham mais dois amigos: Ricardo e Vitor.
O som do carro em alto volume... Todos muito felizes, curtindo a música e
cantarolando... quando o veículo entrou no trecho da Fazenda Matão,
aproximadamente, mil metros, adentro, viram uma linda mulher loira de cabelos
longos, pedindo carona. Ivo diminuiu a velocidade do carro e disse:
- Acho que foi assaltada.
Beatriz, num ato sensitivo disse de supetão:
- Não, não pare! Toca, toca... ou eu pulo!
Ivo obedeceu à amiga e acelerou forte e saiu na disparada.
Ricardo e Vitor começaram a rir e disseram, zombando:
- Era a Loira da Matão! Rsrsrsrsrsrsrs... que
medo!
Beatriz ficou brava e resmungou... reprovou a atitude dos amigos e falou:
- Vocês não sabem de nada! Calem essas bocas, pelo amor de Deus!
Quando Ivo olhou pelo retrovisor, estava lá o rosto da loira, feito bola de
fogo, seguindo o veículo. Apavorado, ele pisou fundo no acelerador
ultrapassando a 110 km/h. de repente, ela sumiu do espelho. E, naquele momento,
o carro começou a gelar por dentro, como se o ar condicionado estivesse ligado
no último, era como se tivesse ligado a geladeira da morte. Inexplicavelmente,
ela entrou no carro e sentou-se entre Ricardo e Vitor, exalando seu cheiro de
dama fantasma, impregnando o ambiente com seu aroma inebriante.
Beatriz ao vê-la tampou os olhos, ficou cabisbaixa, e disse:
- Pare o carro Ivo! Não
olhem pra ela! Não olhem! Por favor!
Mas, já era tarde... todos ficaram hipnotizados, encantados pela sua beleza
deslumbrante.
De repente, a loira começou a se metamorfosear: Aos poucos se transformou numa
coisa horrenda, jamais imaginada pelos olhos humanos. Seu corpo começou a
entrar em estado de decomposição... Era sangue escorrendo do nariz e da boca;
seus olhos ficaram da cor verde-limão; seus cabelos loiros se transformaram em
poucos fios brancos, e de seus ouvidos saíram algodão misturado com sangue,
exalando um odor horrível... "Virou bicho feio, a coisa mais estranha do
mundo."
Nesse instante, todos gritaram apavorados e começaram a Rezar... Imploraram aos
Santos – proteção e piedade... nesse momento de pânico, Ivo perdeu a direção e
se colidiu de frente com um animal, não conseguiu desviar da vaca e todos
ficaram gravemente feridos.
A vaca morreu instantaneamente no local. Beatriz, em transe, meio grogue, tirou
a mão dos olhos e percebeu que estava fora do carro. Ainda em estado de choque
viu a loira bela e linda sentada ao seu lado, olhando-a. Fechou os olhos
rapidamente e começou a rezar...
Eis o que a loira lhe falou:
- Abra os seus olhos. Por que tem tanto medo de mim? Não farei nenhum mal
a você. Eu só estava procurando ajuda... fui estuprada quando seguia para lua
de mel. Meu noivo foi brutalmente assassinado.
Beatriz, vagarosamente, abriu os olhos e lhe disse:
- Isso lhe aconteceu há muito tempo atrás, há mais de 50 anos. Você está
morta!... Por que não procura a luz?
Assustada e confusa a
loira olhou pra ela e disse:
- Não!... Você está
louca! Acabou de acontecer... como pode zombar da minha desgraça assim?!
Beatriz encabulada, pensativa... fitou-a e lhe disse:
- Não acredita em mim? Olhe-se no espelho e verá que lhe digo a verdade.
A loira abaixou a cabeça e, mesmo não acreditando no que ouvira, foi até o
carro, e ao se olhar pelo retrovisor não viu a sua imagem refletir. Voltou
assustada, como um relâmpago e entristecida disse a si mesma: “Por que meu
Deus?! Por quê?! Cadê meu rosto?! Por que não me vejo?”
Voltou até Beatriz e lhe perguntou:
- Como você sabia disso?
E, Beatriz lhe respondeu:
- Ouço a sua história desde que me conheço por gente, desde pequenininha.
Você não acha estranho saber do meu nome sem me conhecer? Veja o que fez!...
Destruiu a minha vida e os meus amigos talvez estejam todos mortos.
Como um raio, a loira correu até o carro... Voltou a Beatriz e lhe informou:
- Estão todos vivos, mas correm perigo de morte, vou buscar ajuda.
Beatriz
apavorada lhe disse:
- Não faça isso! Você vai causar mais acidentes e mortes.
A loira lhe responde:
- Durma menina! Volto logo!
A loira, de repente, desapareceu... Cinco minutos depois veio o socorro... A
viatura da polícia e a ambulância.
Ao chegarem ao hospital os médicos estranharam, pois, todos estavam
hipotérmicos em pleno verão. Graças à rapidez do atendimento nem um entrou em
óbito.
Aos poucos despertaram, e ao serem interrogados sobre o acidente, não tiveram coragem
de contar o porquê, o motivo, a aparição da loira. Temeram as críticas, os
sarros, os risos; o falatório que aconteceria na cidade...
Ivo disse que se assustou ao ver um animal no meio da pista. Perdeu a direção
e, infelizmente, bateu de frente com uma vaca... agradeceu os policiais e os
paramédicos pelo socorro, e perguntou quem teria sido o anjo que lhes avisaram
sobre o acidente... Depois disse: “Se vocês não chegassem rápido, estaríamos
todos mortos”.
O policial respondeu-lhe:
- Uma linda loira vestida de branco contou-nos sobre o acidente e a localidade.
Por incrível que pareça, ela sumiu como um furacão. Simplesmente, desapareceu.
Ivo disse-lhe:
- Nossa! Como assim?
O policial completou:
- Tudo foi muito rápido. Apressamo-nos para socorrê-los. Acho que ela não quis
dar depoimento. Mas, ela os salvou, com certeza.
Ivo exclamou:
- Graças a Deus! Deus a abençoe!
Quando os policiais saíram, Ivo disse a Beatriz:
- Você ouviu isso?
- Sim. Foi a Loira da Matão que os avisou.
Ivo lhe
respondeu, grotescamente:
- Para! Você tá louca!
Beatriz lhe disse afirmativamente:
- Tô falando sério! Foi ela sim. Ela me cumprimentou, e se chama Léia... Ela
pensava que estava viva. Procurava nossa ajuda. Vamos rezar para que ela
encontre a luz, e a sua alma descanse em paz. É isso que temos que fazer.
Ivo, mesmo não acreditando, balançou a cabeça concordando, e disse:
- Você tem razão... Não vamos contar essa história a ninguém, ou seremos
motivos de piadas na cidade. Eu lhe afirmo que, vi o bicho mais feio do mundo
dentro do carro; muito bizarro... Deus que me livre!
Ivo, Beatriz e seus amigos selaram um pacto de silêncio. Essa história
aconteceu há mais de quinze anos, e esses amigos, até hoje, a todos os sábados,
do mês deste acontecimento, à meia noite, fazem uma corrente de orações para
que, a Loira da Matão, encontre o descanso eterno.
Beatriz nunca se esqueceu daquela hora em que a loira pediu para que ela
adormecesse, e, foi buscar ajuda, e sussurrou em seu ouvido, dizendo:
"Seu nome é Beatriz, o meu é Wanderléia, mas, pode me chamar de Léia.
Prazer em conhecê-la!
E, nunca mais a viu.
O acampamento na Fazenda Matão
Um casal de namorado, desavisado, sem conhecer a história da Loira da Matão,
foi acampar bem no centro da mata da Fazenda Matão. O casal era de fora e nunca
tinha ouvido falar nesse episódio. O rapaz era metido a valente, destemido e
corajoso; a moça era estudante de história na capital do Estado do Rio Grande
do Sul. Ele, era filho de família, bem-sucedida, no Rio de Janeiro; ela, era
filha de Taxista na cidade de Porto Alegre.
Conheceram-se pela internet, e era a
primeira vez que estavam fisicamente juntos. Como ele passava as férias na
fazenda de um amigo, resolveu trazer a namorada para fazer um programa de fim
de semana, diferente, no meio da mata virgem.
Já era tardezinha quando um trabalhador rural, passando por ali, viu aquele
casal arrumando a cabana no centro da mata e lhes disse:
- Boa tarde! Vocês não são daqui... por que, se fossem, jamais acampariam neste
lugar... Com certeza nunca ouviram falar da Loira da Matão, né?
Carlos lhe respondeu:
- Não! Já acampei em muitos lugarejos do Brasil. O senhor nem imagina quantas
selvas já acampei... Já estive em cada lugar que até Deus duvida.
Seu José, homem simples, boia-fria, caçador de fim de semana, lhe respondeu:
- Se o senhor soubesse da história não diria isso, não estaria aqui.
Ana, ouvindo aquela conversa toda, fitou seu José e lhe perguntou:
- Mas, que história é essa? Do que o senhor tá falando?
Seu José, que conhecia bem a história da Loira Fantasma, respondeu:
- Bem, senhorita, a história é longa e assustadora e, se eu lhe contar,
provavelmente, você e seu namorado levantarão acampamento e eu não quero
estragar a diversão de ninguém.
Carlos interferiu, dizendo:
- Senhor, como é o seu nome?
- José. E o seu?
- Carlos. O da minha namorada é Ana.
E, lhe falou:
- Seu José, sou filho da geração do norte do Paraná, do norte velho, família londrinense,
e meus avós foram pioneiros e desbravadores dessas terras do café. Tenho o
legado dos pés vermelhos; nasci no Rio de Janeiro, mas meu sangue é paranaense,
dessas bandas. Meus antepassados ajudaram a formar a maioria das cidades do
Norte novo e do Noroeste paranaense, e me contaram muitas histórias e estórias,
lendas sobrenaturais, coisas macabras. Portanto, nada mais me assusta, cresci
ouvindo essas coisas doutro mundo. E, lhe digo, sinceramente, nunca vi uma
assombração a olho nu. E, quer saber minha verdade: nem acredito nessas coisas
doutro mundo, não!
Seu José balançou a cabeça, afirmativamente, com desconfiança, e abriu sua boca
dizendo:
- Se é assim, vou andando, porque a noite vem vindo, e tenho que deitar o cabelo.
Boa sorte, pra vocês! E que o senhor continue, assim, corajoso!!! Eu lhe digo,
que, por essas bandas, quem conhece a lenda ou os causos da Loira da Matão, não
acampa aqui, de jeito nenhum, principalmente, neste local. Mas, que Deus os
abençoe!
E, falando isso, o velho matuto, partiu mata adentro. E, Ana, encucada, disse
ao Carlos:
- Amor, você não acha que deveríamos ter ouvido a história sobre essa tal
Loira?
E, Carlos balançou a cabeça, negativamente, e lhe respondeu:
- Para com isso, amor! Esses matutos têm medo de qualquer coisa. Basta lhe
contarem algo fantasioso, uma mentirinha escabrosa, e pronto, já fazem um
estardalhaço, e a história ganha os ouvidos do povo e vira lenda.
Mas, a namorada, espiritualista que era, ficou irrequieta, formigando-lhe o
cérebro, e o clima que era amistoso, já não era mais o mesmo.
O namorado percebendo aquela indiferença lhe disse:
- Princesa, minha linda, vai preparando a salada que eu faço o arroz com
galinha.
Carlos acendeu o fogãozinho a gás e começou a cozer os alimentos e disse à
namorada:
- Amor, tenha calma, aquele caipira só quis nos assustar, colocar caraminholas,
invencionices na nossa cabeça. Não vamos deixar essa maluquice estragar o nosso
fim de semana... te amo!
E, assim, os namorados que
curtiam aquela aventura incrível, essencialmente, a Ana, pois, era a sua
primeira vez em mata fechada. Logo, terminaram o jantar, tomaram uma cervejinha
geladíssima e ficaram apreciando a natureza que já anunciava a chegada da
noite.
Por volta das vinte e uma horas, num clima romântico, entre abraços e beijos
ardentes, à luz do luar, enamoraram-se e amaram-se.
Ana, saciada, levantou-se e pegou mais uma cerveja e, ao olhar à copa de uma
grande árvore, avistou um vulto, lá no topo, e gritou:
- Deus do céu, que bicho é aquilo?!
Carlos, imediatamente, se levantou, e assustado disse:
- O quê? Aonde? Cadê?!
Ela respondeu, apavorada:
- Ali, na copa da árvore grande! Olha lá!... Parece um bicho, um macaco
grande... sei lá!!!
De repente, o “bicho fenomenal” apresentou-se a eles e lhes disse:
- Boa noite! Desculpa! Não pretendia assustar ninguém! Eu apenas apreciava um
momento lindo, de um casal feliz.
Uma voz fininha, trêmula, respondeu, assustadoramente:
- Boa noite! E, você, quem é?
Sem pestanejar, ela respondeu:
- Eu sou a Loira da Matão!
Carlos, o corajoso, desmaiou... Ana, mesmo apavorada, espiritualista que era,
disse à loira:
- Você, quer nos matar de susto! Fica em cima da árvore feito bicho no cio, nos
espionando e, de repente, desce como um cão raivoso... você não tem educação?
A Loira da Matão ficou acanhada, chateada e lhe respondeu:
- Desculpa! Mil desculpas; perdão, mesmo! É que fiquei emocionada ao vê-los
felizes, namorando... por um instante eu recordei da minha vida passada; da minha
história de amor; do meu grande sonho quase realizado.
Nisso, Carlos, ainda em
estado de choque, recompõe-se,
abraça a namorada e como um Zumbi, encarando a Loira da Matão, lhe perguntou:
- Como assim? Vida passada! Você, por acaso, não é deste mundo? É isso mesmo?
A Loira da Matão, linda e deslumbrante, respondeu-lhe:
-
Eu pertenço a mundo. Já faz algum tempo que me despacharam deste belo planeta.
Mas, ao vê-los, aqui, neste espetáculo de Deus, eu não aguentei e vim apreciar
este momento de amor tão lindo, tão infinito e fiquei bisbilhotando. Eu me
recordei de um momento, como o de vocês, que vivi aqui mesmo, há muito tempo,
com o meu noivo.
Ana, encantada com a Loira da Matão, perguntou:
- Por isso, que o seu José, o velho matuto, nos quis contar a sua história,
mas, o Carlos, praticamente o impediu, por não acreditar.
E, a Loira falou o seguinte:
- Entre o céu e a terra há muitas moradas, muitos mistérios, e hoje, sou um
deles, simplesmente, um fantasma.
Carlos, ofegante, não acreditando no que via e ouvia, disse:
- Mas, o que ouve de fato contigo? Quem é você? Ou melhor, quem era você?
Fantasma... não pode ser!
- Eu era uma menina linda e cheia de amor e sonhos, de 17 anos, feliz da vida.
Tinha encontrado, o meu príncipe encantado, o homem mais lindo do mundo...
Naquele sábado, meu casamento tinha sido perfeito. Tudo estava como eu
tinha planejado e sonhado, parecia conto de fadas, e era... mas, foi real.
Depois do casamento na Igrejinha da Fazenda, dos comes e bebes e da dança de valsa
dos noivos, partimos para a nossa lua de mel, e na entrada da BR, rumo à cidade
de Paranavaí, deu um defeito no nosso carro. Um caminhoneiro parou para nos
ajudar, e ao me ver, ainda vestida de noiva, ficou louco, desferiu um golpe
certeiro em meu marido, que morreu na hora, e, depois, estuprou-me
covardemente, como um animal feroz, enraivecido; um demônio... Foi muito
triste, e logo após, também, deu cabo à aminha vida. Enterrou-nos no meio desta
mata... aquele satanás nos destruiu, foi o nosso algoz, o nosso fim; o fim de
um amor perfeito, lindo; de um sonho de vida. Por isso, fui para os
caminhoneiros a perseguição infalível, a maldição implacável, o desejo de matar
o meu assassino, a vingança. Eu o procurei como uma agulha no palheiro. Mas,
acabei sendo o fantasma que assustou muitos inocentes. Não me lembrava direito
do rosto daquele monstro. O meu trauma foi tão grande que eu não me lembrava de
sua fisionomia. Foi tudo muito rápido, triste mesmo. Todavia, já salvei muita
gente acidentada por essas estradas. Mas, para vocês, sou apenas uma péssima
visão, um fantasma, uma intrusa que se encantou com o amor que transborda em suas
veias, e que vivem essa magia linda dos amantes, de amor verdadeiro. Eu também
vivi esse amor... Perdoem-me, mas vocês me fizeram voltar ao meu
passado, ao meu amor e reviver a minha história feliz de final trágico. Eu
procurava o meu exterminador e, hoje, quis o destino que o meu algoz, o
caminhoneiro estuprador e assassino se envolvesse num acidente fatal, nas
proximidades da minha tragédia. Ao vê-lo, ali, na ânsia da morte, aproximei-me,
como estava naquele dia, vestida de noiva, linda e maravilhosa, e o reconheci,
e lhe disse:
- Você está me reconhecendo? Sabe quem sou eu, infeliz?
Ele, meio grogue, agonizante, respondeu-me:
- Você me parece familiar, mas, não me recordo de onde.
Eu lhe disse:
- Você foi o meu assassino, o demônio que impediu a minha felicidade... matou a
mim e o amor da minha vida, o meu marido. Estávamos indo para lua de mel, o
casal mais feliz do mundo e o nosso carro quebrou, você nos ofereceu ajuda...
matou o meu amor e me estuprou e, depois, me matou... e nos enterrou nessa
mata, poucos metros à dentro. Você se lembra, maldito?! Você foi a destruição
da minha vida, a escuridão da minha alma. Você roubou a vida e a história de um
casal feliz. Matou-nos de forma cruel, covarde! Você é o meu ódio, o câncer da
minha vida, minha vingança implacável. Eu lhe procurei como uma agulha no
palheiro. Muita gente morreu de acidente ao se deparar comigo, tornei-me essa
coisa horrenda, esse bicho feio (daí me transformei...) que você vê agora. Eu
lhe busquei em cada caminhoneiro e, não o achei. Desgraçado! Acabei fazendo mal
a muita gente que não tinha nada a ver com a sua maldade. Somente aí ele se deu
conta e se lembrou da atrocidade que havia cometido, e me disse:
- Perdoa-me! Eu era mal, um diabo! Depois daquele episódio vivi como Caim...
nunca mais tive paz e vegetei no meu próprio inferno. Aquele dia fui possuído
por uma força maligna, e o mal se instalou dentro de mim. Perdoa-me, pelo amor
de Deus!
Fitando-o, bravamente, eu lhe disse:
- Perdoá-lo?!... Maldito! Só Deus, pode! Eu tenho pena de você! Que Deus, no
dia do juízo final, dê-lhe o veredicto que merece. Que queime no mármore do
inferno, seu filho do demônio!!! E, só saí dali quando o vi dar o último
suspiro e morrer... e vim descansar na copa dessa frondosa árvore. Aqui, era o
local que eu e meu amor nos encontrávamos... Agora, estou livre e à disposição
de Deus. Minh’ alma está liberta, em paz.
Ana lhe perguntou:
- Por que você nos apareceu?
A loira lhe respondeu:
- Ouvi toda a conversa do Carlos com o Seu José – um matuto de fé e justo, e
resolvi aparecer, principalmente, porque o Carlos disse que não acreditava em
coisas doutro mundo. Mas, agora tenho que ir. Não tenham medo de mim. Continuem
aqui. Divirtam-se e amem-se, infinitamente, porque o amor é lindo, é o que
realmente vale a pena, é o que fica o move o coração e o sentimento divino.
E, ela voou para o topo da árvore.
E, de repente, apareceram três caçadores armados e deram voz de assalto ao
Carlos... Eles o amarraram. Pegaram a Ana à força... disseram um monte de
palavras de baixo calão, e quando tentaram despi-la, a Loira da Matão, feito
bicho, apareceu de supetão, e disse-lhes:
- Larguem-na, e sumam daqui, antes que eu os matem! Eu sou a Loira da Matão! A
loira fantasma dos caminhoneiros!
E os bandidos, assustados, vendo em sua frente um bicho doutro mundo, saíram em
disparada, mata adentro, e desapareceram.
O casal se recompôs do tremendo susto...
Arregalaram os olhos ao vê-la voltar a condição humana e agradeceram-na...
entraram na cabana e caíram em sono profundo.
Ao amanhecer, fizeram o café da manhã, saborearam o ar fresco matinal,
levantaram acampamento e partiram rumo à cidade do Cristo Redentor.
Pegaram o avião na cidade de Londrina e dentro da aeronave ficaram calados,
como se nada tivesse acontecido, como se tudo aquilo tivesse sido um sonho, ou
um pesadelo. Fizeram um pacto e nunca mais falaram sobre o assunto.
Direitos
autorais:
Fernandes, Osmar Soares, 1961,
A LOIRA DA MATÃO,
OSMAR SOARES FERNANDES,
São Paulo / Scortecci, 1ª edição: 1999, pág. 9 - 12
(JS2708-1000072011999)
Essa loira já rendeu muitos comentários...
ResponderExcluirVem aí o novo livro da loira! Aguarde!
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