sábado, 31 de janeiro de 2015

Dona vida


Dona vida, eu quero viver.
Não deixe Dona Morte me levar.
Eu tenho tanta coisa para fazer.
Eu tenho tanto sonho a realizar.
Dona Vida, eu sei que você é o mistério,
O segredo mais divino do céu.
Enquanto Dona Morte é a praga,
A maldição vomitada na terra.
Dona Vida, eu não sei do seu segredo,
Mas tenho medo de perder
O seu encanto e o seu halito.
Eu me sinto tão feliz a abraçando!
Há tanto tempo somos dois
Num mesmo coração.
Não me abandone Dona vida.
Estou lutando desesperadamente...
A minha fé está em Deus.
Você é o meu maior presente.
Por favor, não vá embora.
Eu preciso realizar os nossos sonhos.
Dona Vida, minha vida é a sua vida.
Precismos um do outro...
Dona Vida, sua vida é minha vida.
Não se vá.






O corpo e a alma




E o corpo disse à alma:
— Você que é feliz.
Habita o corpo da gente,
Comete tantos deslizes...
E, ainda, vive eternamente.

E a alma respondeu dizendo:
— Aí, que você se engana!
Em mim é você que se esconde.
Depois para sempre some.
Comete tantos pecados...
E sou eu que pago a conta.

E o corpo entristecido disse:
— Eu nasci para morrer.
Você jamais provará desse cálice.
Reencarna sempre um novo corpo...
Enquanto eu, para sempre estarei morto!

E a alma finalizou ao responder:
— Você não sabe o que diz!
Cada vez que volto aqui,
Algum pecado estou pagando...
Isso é pior do que morrer.
Porque só vivo penando.



Professor Osmar Fernandes, em 25/02/2009
Reeditado em 25/02/2009
Código do texto: T1456083

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original. Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

O bicho-homem



Você, meu grito de liberdade.
Estrada infinita sobre a luz da vida.
Meu sonho amparado na verdade.
Meus passos tropeçam... Sem saída.

Brado engasgado explode pelo ar.
Os surdos, mudos, cegos não são viajantes.
Assim, a ferida não vai se curar...
A esperança perde seus navegantes.

A comunicação é telepática.
Pouca gente entende o sinal.
Extermina-se como doença hepática.

O abismo caminha premeditado...
Como ovelha ao matador pro seu final.
O bicho-homem está desalmado.
Professor Osmar Fernandes
Enviado por Professor Osmar Fernandes em 05/01/2015
Código do texto: T5091011
Classificação de conteúdo: seguro

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Dona morte




Dona morte,
Pertinho de você
Eu sinto os seus olhos
Me vigiando.
Longe de você
Eu sinto o seu vulto
Me guardando.
Eu sinto medo.
Pois meu segredo é viver.
Eu sonho em ser como vinho...
Quero viver! Quero vida!
Não tenho prata, não tenho ouro.
Sou o andarilho do destino precioso.
Minha vida é meu tesouro.
Não apague a minha luz!
Sou feliz, sou seu mistério.
Desvie-me da sua cruz
E do endereço do cemitério.
Não tenho medo da velhice.
Ainda quero viver os anos da tolice.
Não sou como São Tomé!
Prefiro ser o escravo da vida
A ser o rei da morte.
Não tenho medo da velhice.
Ainda quero viver os anos dourados
da tolice.
Professor Osmar Fernandes
Enviado por Professor Osmar Fernandes em 15/03/2009
Reeditado em 19/03/2009
Código do texto: T1487145

O anjo loiro


Em Santana do Sul, cidadezinha do interior, o mundo parecia ter parado ali. A base de sua economia provinha da agricultura. De pouco comércio, fábricas de fundo de quintal, de pouco mais de l.500 (um mil e quinhentos) habitantes – a maioria morando na zona rural – vida pacata.  Conhecida como a cidade dos aposentados (de salário mínimo). Na zona urbana quase todo mundo era funcionário público. Da região do vale da boca de fogo era a esquecida. Morava ali muita moça bonita e quase nenhum rapaz.
A única escola de ensino médio estava condenada a fechar, devido a pouca frequência. Só havia alunas. Os alunos nessa idade mudavam-se, iam embora em busca de trabalho e cursos técnicos em outras cidades.
Com o passar dos anos essa situação agravou-se, criou um problema social, emocional e familiar. Os velhos estavam morrendo; a taxa de natalidade quase foi extinta – percentual quase zero. Era um nascimento esporádico a cada cinco ou seis anos. O desespero das moças virgens, das titias, era de dar dó, de  se ficar embasbacado.
Santana do Sul estava virando um deserto, uma cidade tipicamente fantasma, assombrada, esquecida num canto sem importância, no meio do nada, do mapa do mundo. Viam-se velhos aposentados papeando e ou jogando baralho nas praças públicas e nada mais.
A bela moça donzela já não passeava... Não tinha lá fora um olhar que atraísse sua atenção, seu desejo, tudo era muito quieto demais. O silêncio invadia o desespero de sua alma. Não havia juventude, tudo era velho em demasia, não havia animação, nem vida, nem prazer.
Era a cidade dos esquecidos. A única esperança era tornar-se maior de idade e fugir de casa. Coisa que uma ou outra se atrevia pôr em prática no ápice da desilusão.
Certo dia, Edviges, moça pura, que nunca desejou ser freira, recebeu um aviso em sonhos de sua amiga do peito, Isabela Caputte, dizendo que estava muito doente, que ardia em febre, que ia morrer. Diferente dela, Caputte sempre foi mais extrovertida, e tinha idéias avançadas para o seu tempo. Edviges, aflita, como se ouvisse os clamores da colega por telepatia, num pestanejar, sentindo algo estranho, um calafrio, resolveu visitar a amiga pessoalmente.
Quando já estava no portão de sua casa, dona Marcelina, sua mãe, conversava com dona Sofia Geara – senhora rígida aos moldes dos tempos idos – muito conceituada. Dona Marcelina, vendo a filha meio abatida, chamou-lhe a atenção, dizendo:

- Onde vai a essa hora Edviges? Já é muito tarde para moça de família sair. No meu tempo, há essa hora eu já estava no último sono.
Edviges respondeu à mãe:
-Vou à casa de Isabela, mãe. Ela anda doente, está ardendo em febre.  Não se preocupe, nem espere por mim. Vou passar a noite lá, mas volto a tempo de ir para o colégio, ta?
Sua mãe advertiu-lhe, dizendo:
- Edviges, minha filha, chame seu pai para acompanhá-la. Está muito tarde para ir só. Moça que anda na rua a esta hora sozinha fica mal falada, cai na boca maldita do povo.
Dona Sofia Geara, ouvindo aquela conversa entre mãe e filha, intrometeu-se, dizendo:
-Sua mãe tem razão. É muito perigoso andar sozinha há esta hora.  Pode encontrar um louco na rua ou um tarado. Deus me livre!... A gente nunca sabe o que há por detrás da cortina da noite, minha filha, cuidado!
Edviges morrendo de tanto rir, disse:
-Dona Sofia, pelo amor de Deus! Desse jeito a senhora ainda me mata de tanto rir. Nesta cidade nunca acontece nada, parece cidade dos mortos. Nunca ouvi dizer que alguém foi atacado por aqui.
Dona Marcelina, rindo junto com dona Sofia, disse à filha:
-Vá com Deus, minha filha, e não se esqueça que amanhã você tem prova. Volte bem cedinho, a mamãe vai lhe preparar aquele café colonial.
Edviges, partiu, e quando estava a cinquenta  metros do cemitério, ouviu um elogio sair de uma voz  melodiosa, dizendo:
- Das donzelas és a mais bela... Todo gosto é gostoso, se eu gosto, eu desejo, mas, se o desejo, não vejo, sei que é pecado.
Ela ficou enlouquecida e enfeitiçada. Nunca havia sido paquerada, sentiu-se “poderosa”, e correu o olhar para descobrir quem era o dono daquela voz que parecia tão jovem. Continuou a caminhar, agora, a passos lentos, faceira, quando, na esquina, através da penumbra da luz da lua, deparou-se com um belo rapaz de cabelos louros encaracolados. Foi encanto de moça donzela à primeira vista, suspirou profundamente, não acreditando no que via , e quase desmaiou. Sussurrou maravilhadamente, e disse:
-Quem é você? Nunca lhe vi por aqui. É parente de quem ?
O rapaz nada respondeu, hipnotizando-a, e, dominando-a, beijou-lhe a boca. Foi o primeiro beijo de Edviges. Ela ficou estonteante, sentiu estar voando pelas nuvens. Ele a levou mais adiante, e no meio do mundo, no ninho da vida, deitou-a, amou-a voluptuosamente, como um verdadeiro amante.

Às dez horas da manhã, assustada, com o sol em seu rosto, despertou de seu sono profundo, viu-se nua, e seu subconsciente lhe confidenciou: “Foi sonho, devaneio ou foi real?” Meu Deus! O que me aconteceu?
De repente, ao se vestir, sentiu algo estranho. Seu corpo estava leve como uma pluma, algo estava diferente, não sabia discernir o que era. Sentiu um perfume exalar à sua volta. O aroma estava impregnado no seu corpo. Confusa, voltou à sua casa, e lá chegando, ficou surpresa, deu de cara com muita gente, e sua mãe, chorando e desalentada, disse-lhe:
- Minha filha, pelo amor de Deus! Onde você estava, até agora? Quase morri de tanta preocupação. Todo mundo estava à sua procura.  Seu pai está  de cama por sua causa. Onde você dormiu? Que cheiro é este?
Edviges nada respondeu, como se estivesse em transe. Foi para o quarto e enquanto subia os degraus, dona Célia, a fofoqueira, logo observou que a ponta do seu vestido estava manchada de sangue, e foi logo dizendo ao pé do ouvido de outra linguaruda:
-Vê, Efigênia, o vestido dela está melado de sangue. Tenho certeza como tem Deus no céu, que andou de safadeza por aí com algum velho.
 Efigênia, sem papas na língua, foi logo soltando o seu veneno:
- Que velho sem-vergonha deflorou a “bichinha”, inocente, caipira? Essas moças de hoje em dia são tão bobinhas, caem na conversa de qualquer um, não é mulher? Será que não foi seu velho? Andam dizendo por aí que você “não dá mais no coro”, é verdade? Ainda dizem, que ele está soltando fogo pelas “ventas”, ta cheio de energia, sentindo-se um garotão de quarenta. Será que foi seu velho, comadre?
Dona Célia, pega de surpresa, pois achava que ninguém sabia de sua vida íntima, dos seus segredos, disparou, dizendo:
- Se ele fez uma coisa dessas comigo, mato esse desgraçado, mas, primeiro, capo o infeliz.  Depois eu o amarro de cabeça pra baixo, e fico assistindo sua agonia até morrer.  Ele sabe que sou assim, não admito traição. Já tenho mais de setenta, e ele também.  Não “brincamos” dessas coisas há muito tempo. Ah, se ele fez isso!
Dona Célia deu uma pausa, pensou, e disse:
- Pensando bem, creio que você está enganada, pois fiquei sabendo que o seu Bartô não dormiu em casa essa noite passada, comadre, onde ele estava?
Comadre Efigênia, meio sem graça, coçou a longa cabeleira– verdadeiro “fuá”– e disse:
- Credo, mulher.  Não fale uma coisa dessas do meu santo, não! Ele foi só jogar cartas com os outros. O vício desses homens nossos é jogar a porcaria do “truco”.  Passam horas, noites adentro no baralho, e você sabe disso, não sabe?
Dona Célia, categoricamente, disse:
- É, comadre, pimenta nos olhos dos outros é refresco! Santo, nenhum homem é. Em se tratando de “rabo de saia”– ainda mais, novinha, todo homem quer, é sem-vergonha. Já viu falar o ditado que “bode velho baba por uma cabritinha nova?” Pois é...  O meu, hoje, não é mais aquele garanhão da mocidade. Traía-me com qualquer vagabunda. Era fissurado numa “mocinha”. Não agüentava ver uma, dizia que aquilo tinha cheiro de vida. Até que um dia eu lhe dei uma surra daquelas, quase o matei, e lhe prometi, por todos os santos do céu, que, se um dia me traísse de novo, não o perdoaria. Logo, comadre, é bom averiguar essa história de baralho, to sentindo que aí tem coisa das brabas, tem macaca no galho!!!
Dona Efigênia arregalou seus olhos grandes e negros, amarelou, e disse balbuciando:
- Ah, meu Deus! Será que foi ele?
Ela foi desfalecendo... E, dona Célia preocupada, começou a abanar sua comadre, e dizia-lhe que era brincadeirinha, imaginação fértil, que era uma lorota. Bobagem... A amiga, aos poucos, foi se restabelecendo e zarpou.
A mãe de Edviges, que num cantinho imperceptível ouvira aqueles mexericos, dizia a si mesma: Isso não pode ter acontecido com a minha filha se algum velho safado fez isso, eu mato.
Quando dona Marcelina foi ter com a filha, a porta do quarto estava fechada, só se podia ouvir o barulho do chuveiro ligado e o choro de Edviges. Sua mãe implorou para que ela abrisse a porta, mas tudo que conseguiu ouvir da filha foi que estava cansada e lhe deixasse em paz.
No outro dia Edviges desceu cedinho para tomar o café e ir para o colégio. A mãe, ao vê-la, foi logo falando:
- Minha filha, onde dormiu a noite passada?  Responde, menina! Eu estou falando com você?
Edviges nada respondeu, permanecendo estranha, como se nada tivesse acontecido. Acendeu um cigarro do pai que estava sobre a mesa, causando mais estranheza na mãe, pois ela não fumava. Vendo a filha se engasgar, pois não sabia tragar, nervosa, falou enfurecida:
- Agora fuma também?  O que está acontecendo com você? Onde dormiu aquela noite?
 Naquele momento, como se tivesse sido tele-transportada, simplesmente apagou o cigarro e, calma, respondeu:
- Nada mamãe. Se a senhora quer saber sobre o que aconteceu antes de ontem, eu não sei lhe explicar. Eu só me lembro que estava indo para a casa de Isabela, quando me deparei com uma coisa. Ele avançou em mim e eu caí, devo ter batido com a cabeça numa pedra, e não me lembro de mais nada... A propósito, papai está melhor?
Balançando a cabeça negativamente, desconfiada daquela conversa, resolveu fingir que acreditava na filha, era o melhor a fazer naquela hora, e disse:
- Sim, minha filha, seu pai está bem melhor, agora que você voltou sã e salva. Acho bom você se apressar com o café e ir para a escola, senão vai chegar atrasada. Falei com a professora e ela vai lhe dar uma nova prova. Aliás, não quero que você saia mais à noite sozinha, mais uma dessa, eu e o seu pai não agüentaremos.
Edviges, sem graça, respondeu à mãe:
-Eu sei, mamãe, não se preocupe, isso não vai mais se repetir.
O que Edviges não sabia era que a cidade inteira estava comentando maldosamente sobre a sua honra. Houve muito tititi sobre aquele episódio.  Ela perdeu muitas amigas por isso.
Já havia passado dois meses e meio desde o acontecido, quando Edviges começou a notar algo estranho em seu corpo. Seus seios estavam maiores e doía, a menstruação atrasada, sentindo enjôos, e muito sono...
Quando a mãe descobriu a gravidez da filha resolveu inventar para a sociedade, e até mesmo para o padre, que ela estava gestante de uma coisa d’outro mundo. Que, no dia do seu sumiço, um disco voador aterrissou e alguém se aproveitou da pobrezinha.
Pouca gente acreditou nessa história. As fofocas aumentaram ainda mais. Acirraram-se as bisbilhotices. Por onde a garota passava era apontada como vadia, e que aquele filho era fruto de um adultério, filho de seu Bartô – o marido de dona Efigênia. O que o levou a ter a fama de “papa-anjo”, de pedófilo, “comedô”. O homem “ficou em papos de aranha” na cidade. Perdera os velhos amigos. Andava triste, cabisbaixo, não era mais o homem alegre de antes. O falatório se encarregou de transformar aquela mentira numa verdade absoluta, e o homem foi condenado, sem ao menos ter a chance de se defender.
A cidade ficou polvorosa. Os comentários, nas rodinhas de aposentados, eram: “- Como Bartô, naquela idade, havia conseguido tal proeza, embuchar aquela jovenzinha...”.  Isso causou inveja e deixou muitos velhos excitados. Alguns chegaram a se engraçar com as moças mal faladas. Outros chegaram a oferecer todo o seu salário em troca de um carinho mais fervoroso. Foi um “deus nos acuda!” As meninas ficaram aturdidas. Mas, somente a Gaia – a fácil – cedeu, e depenou até o último centavo de meia dúzia de velhinhos desesperados.
O que os cidadãos de Santana do Sul não sabiam, era que algo de sobrenatural estava acontecendo e desejava as moças daquele lugar.
Já era mais de meia noite, quando Isabela Caputte foi despertada por um longo beijo roubado que a enlouquecera de prazer, foi envolvida, tomada e amada, nunca havia sentido nada igual antes. Aquele momento foi mágico, foi lindo. Ao acordar não sabia se tinha sido real ou se havia sonhado mesmo.
O moço enfeitiçava todas as mulheres. Ele se transformava no homem dos sonhos de cada uma, por isso era irresistível. Sabia como e quando devia aparecer e tocá-las, possuí-las. Nem uma resistia aos seus encantos.
Isabela foi amada numa noite de magia, prazeres e mistérios. Ao acordar descobriu que tinha sido deflorada pelo homem de seus sonhos...  Chorou, depois pensou: “provei o gosto gostoso do pecado...”. Em seguida sorriu, e pensou novamente: “Quem me fez mulher? Quem?”
Passado algum tempo, ela começou a sentir os sintomas da gravidez. Foi então que resolveu contar tudo à sua amiga, Mariana:
-  Pimentinha, to frita!
Morrendo de curiosidade, disse:
-  Conta logo!
Isabela Caputte, meio sem graça, contou sua história advertindo:
-Então ouça e não me interrompa.  Há um mês estava no meu quarto dormindo, quando fui despertada por um longo beijo roubado, fazendo-me ficar sem forças. Aquele era o homem dos meus sonhos. Fascinou-me, seduziu-me, e, então, fui tocada, não resisti e me entreguei de corpo, alma e mente. Foi eletrizante.  Foi um anjo que caiu em minha cama e tomou posse de mim.... Hoje, tenho certeza que estou esperando um filho dele, tenho os mesmos sintomas que Edviges dizia sentir no início de sua gestação.
Mariana teve uma crise de risos e disse à amiga:
- Conta outra, Isabela, ta bom!  Quase acreditei nessa sua história Shakespeariana... Mas por favor, tenha a santa paciência! Um rapaz lindo, aqui em Santana do Sul , e ainda por cima, com tal poder de sedução?!! Você está inventando isso para não ficar falada também, não é?  Foi o mesmo velho tarado – seu Bartô – não foi? Agora não adianta guardar segredo.Todo mundo vai saber. Se o filho é dele, o velhinho é porreta mesmo! Até que enfim, um homem está resolvendo os problemas das moças deste lugar nojento, deste fim do mundo! Agora você está arrependida e vem com uma história bonita dessa?
Isabela começou a chorar, e disse:
-Sabia que você não iria acreditar em mim. Tudo o que disse é verdade, mas acho que você está certa em parte: este homem é um mistério. Será um anjo mesmo ou um demônio?
Mariana, vendo a preocupação da amiga, percebeu que aquilo não era uma brincadeira, que falava sério.  Resolveu investigar melhor aquela história, e perguntou:
- Como assim, um mistério?  Você perdeu a sua virgindade e engravidou de uma pessoa e não sabe nem quem é?
Isabela começou a explicar à amiga:
- Ele é uma espécie de zumbi, entende? Um cara lindo, mas estranho. É o que me leva a acreditar que ele não é daqui.  Sua juventude e seu vigor físico é deslumbrante.  Seu rosto de anjo, e principalmente sua voz, inconfundível... E aquele perfume é o mais aromático que já senti em toda a minha vida. Meu corpo ainda tem o cheiro dele... É um homem irresistível. Não tem nada a ver com o coitado do seu Bartô. Aquele velhinho não faz mal nem para uma mosca morta. Aquele homem é o homem do meu sonho.
Foi aí que Mariana ligou os fatos sobre o que havia acontecido com Edviges e foi dizendo:
- Esse perfume do qual você está me falando é o mesmo que a Edviges me disse ter sentido também. Eu bem que desconfiei daquela história absurda de ter sido engravidada por um “ET” conforme disse sua mãe.  Desconfiei também dos boatos de que teria sido o pobre daquele velho, o malfeitor.  Por mais desesperada que esteja uma de nós, é impossível sentir tesão por um velho gagá daquele! Perdoa-me, amiga! Vou desvendar esse mistério custe o que custar!
Mariana deu com a boca no mundo, salvou o casamento do seu Bartô – que voltou a conviver em paz com a sua esposa e com os amigos.  Mas ela deixou a cidade em pé de guerra, assombrada, com a notícia de que um bonitão atacava as virgens, as ninfetas e as mulheres bonitas e mal amadas. Foi como se tivesse jogado uma bomba no coração de cada família e quebrado certos tabus.
Depois que a notícia ganhou repercussão regional, teve moça que deixava a janela do quarto aberto, na esperança de ser amada pelo famoso “bonitão”.  Os comentários eram tão fortes, que até algumas senhoras casadas – mal amadas – aderiram à idéia também.
A cada dia, sempre depois da meia noite, ele fazia mais uma vítima. Nem mesmo a neta do delegado escapou de sua sedução. Foi paixão ao primeiro toque de amor. Como um anjo desposou-a carinhosamente... Pedrina contava sem rodeios que tinha sido tocada por ele como sonhava, como lia nas fotonovelas... Dizia: “Foi romântico, foi lindo, foi eterno... Ele é o meu anjo loiro”. Engravidou também.
O falatório deu “corda” aos desejos insaciáveis...
Foi então que o delegado resolveu caçar O ANJO LOIRO – vigiando as janelas... Fazia rondas cada vez mais modernas, utilizando-se da tecnologia avançada que dispunha, ou a que conseguia através da Secretaria de Justiça do seu Estado.
Mas nada conseguia detectá-lo. O homem tinha um pacto com as forças do além. Nunca visitava a mesma amada duas vezes. O homem era um procriador.  A pergunta era: De quem? Por quê?
Havia se passado seis meses e a polícia não o identificou. O tempo foi se passando, e “O Anjo Loiro” foi conquistando simpatizantes. Já havia gente que desejava que ele possuísse a sua filha para ter netos e ver a continuidade de sua geração. As janelas abertas de famílias tradicionais denunciavam o sinal de aprovação. Muitos velhos assinaram um documento exigindo que o delegado abandonasse o caso, que deixasse o homem encantado em paz,RR r         que pudesse aparecer livremente e  sem medo, mostrasse a sua face.
Quando nasceu o primeiro bebê, lindo e fofo, a polícia parou de caçar o Anjo Loiro... O povo pedia e rezava para que a sua filha fosse a próxima escolhida. Aquela criança deu vida e esperança à população daquele lugar esquecido do mundo. Aos poucos foi nascendo uma após outra, e o crescimento daquela cidade foi inevitável. O perfil das crianças era de acordo com o sonho das possuídas.
Após alguns anos, os meninos loiros, morenos, negros, japoneses e de todas as raças e sonhos, povoaram aquele lugar que dantes estava condenado a desaparecer do mapa. Eram muitos, e a cidade ganhou cara e vida nova. Seu número de habitantes passava de sete mil, e todos eram parentes.  Tornaram-se patriotas a tal ponto que nasciam e morriam ali, sem ter vontade ao menos de conhecer outro lugar. Ali era o paraíso do mundo. As mulheres responsáveis por essa geração eram idolatradas pelos seus descendentes.
Muitas moças e mulheres de outras localidades iam aos bailes e às festas na cidade dos meninos belos: Os filhos do Anjo Loiro – atraídas pela beleza e a fama do vigor físico que tinham.  As moças que lá apareciam logo ficavam apaixonadas. Namoravam, noivavam e se casavam. Os filhos dessa geração eram criaturas abençoadas.
 O Anjo Loiro, satisfeito com a sua criação, resolveu confidenciar o seu segredo para o seu verdadeiro amor, dizendo:
- Sou um espírito de luz. Tudo o que fiz foi por amor a este lugar que estava condenado a desaparecer. Sou a semente da vida...  Lá de cima, senti o seu fim. Foi-me dada à missão de povoá-lo. De acordo com o sonho de cada mulher renascia a minha esperança... . Por isso eu me transformei de acordo com o homem que cada uma queria. Mas, eu me apaixonei por você. Pedi para o meu superior, para que eu me reencarnasse e pudesse viver como um ser humano e me casasse contigo. Somente você, Edviges, sabe disso. Ninguém nem desconfia que sou o pai dessa enorme geração. Sou um homem feliz por ser o progenitor de tantos sonhos e poder ter salvo esta cidade. Todavia estou mais feliz por ter encontrado o meu amor. Fui um sonho real para muitas, porém, vivo a minha realidade...  Você é, foi e será o meu sonho vivo eternamente, te amo!

Edviges sorriu feliz da vida e pode entender o seu destino finalmente... Deu-lhe um beijo fogoso e o amor tomou conta daquele ambiente.
Professor Osmar Fernandes
Enviado por Professor Osmar Fernandes em 08/03/2009
Reeditado em 13/07/2009
Código do texto: T1475023

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Promessa é dívida


Dois estudantes, amicíssimos, estavam quase reprovados de ano. No início do quarto bimestre, um disse para o outro:

- Hei, Eliezer! Vamos fazer uma promessa para Nossa Senhora Aparecida, para passarmos de ano? Se passarmos, vamos até ao cemitério, e lá, no cruzeirinho da igreja, vamos acender três velas cada um, topa?

Eliezer, desenganado, já havia feito promessas para vários santos: para ficar bonito, arrumar namorada, curar-se de uma hérnia, ganhar na loteria, e nunca teve sorte alguma, disse:

- Ah, Wilson, minha situação é tão ruim, estou em recuperação em todas as matérias. Não há Santa que dê jeito!

Eliezer, pensou melhor, refletiu, e disse:

- Por desencargo de consciência, topo!

Apertaram as mãos, bateram o martelo, selaram o pacto e estabeleceram metas para cumprirem a promessa se passassem mesmo de ano.

O engraçado foi que a partir daquele dia começaram a estudar como nunca e chegaram a contratar o colega Nariz de Tucano – o “CDF” da sala – para ensiná-los. A escola passou a ser a prioridade. Enquanto os colegas se divertiam, jogavam bola; eles estudavam... Para os seus pais, professores e amigos, isso já era um milagre.

Entretanto, mesmo com muito esforço ficaram para segunda época em Matemática Comercial Financeira, matéria do professor Rude, severo até no nome. Chegou a comentar numa rodinha de amigos que, se eles precisassem de um décimo para passar, seriam reprovados.

Desde o início do ano levaram o estudo na brincadeira; a reprova deles era dada como certa pelo diretor, professores e outros colegas de sala. Muitos desejavam vê-los reprovados.

Wilson e Eliezer, confiantes na Santa Maria Santíssima, passaram a ser frenquentadores assíduos da igreja. Fato que lhes rendeu uma bênção especial do padre Ângelo, aumentando ainda mais a fé dos estudantes. Passar naquela prova final virou caso de honra. Era passar ou passar.

Muita gente, ao tomar conhecimento da promessa dos discentes, fez corrente de oração. As beatas fizeram procissão – rezaram a oração do estudante... E pediram à Virgem Santíssima que intercedesse em favor deles. Passou a ser o assunto preferido do povo.Virou bilhete de aposta que apontava a seguinte situação: 1) reprovarão; 2) passarão; 3) Eliezer – passará; 4) Wilson – passará; 5) Eliezer – reprovará; 6) Wilson – reprovará. Numa pesquisa encomendada por alguns apostadores mais afoitos, apontou que a maioria esmagadora apostara na reprova dos dois.

O dia “D” havia chegado, era a última chance. Às sete horas da noite adentraram a sala, nervosos, e o professor Rude disse: “Vocês têm quarenta e cinco minutos para terminar a prova, nem um segundo a mais, nem a menos...”. Qualquer tentativa de comunicação ou cola, é zero!!!

Terminada a prova saíram preocupados e um disse para o outro:

- Wilson, como você foi?

O amigo respondeu-lhe:

- Acho que passo, nem que seja na marra. E você?

- Cara, foi fácil demais, tiro dez! Pela primeira vez na minha vida, gostei de fazer uma prova.

O resultado sairia no dia seguinte, e seria exposto no mural dos estudantes. O professor ao entregar a nota das provas na secretaria disse:

- Nunca tinham conseguido sequer tirar um cinco numa prova, num teste, em todo o ano letivo. Porém nessa, a estrela de cada um brilhou... Foi um milagre mesmo. Não é que os danados conseguiram!... Eliezer precisava de oito e tirou nove e meio, Wilson precisava de nove e tirou nove. Milagre!

O professor Rude, ao sair da secretaria topou uma multidão de apostadores querendo saber o resultado antecipado, e disse:

- Amanhã vocês ficarão sabendo! A zebra foi grande!!

Teve aluno que gritou:

-Eu já sabia, tinha certeza que reprovariam.

Lá no fundo, os dois amigos rezavam e diziam:

- Se passarmos, amanhã mesmo nós pagaremos a promessa.

Naquela noite não dormiram, ficaram impacientes.. Os minutos se transformaram em infindáveis voltas preguiçosas no ponteiro do relógio. O resultado sairia às sete da noite.

As cinco já estavam lá, juntamente com uma multidão de curiosos, apostadores e interessados.

Exatamente na hora prevista saiu o resultado, e no empurra, empurra ouviu-se o grito:

- Eliezer! passamos!... É o milagre de Nossa Senhora! Obrigado, meu Deus! (...)

A felicidade dos aprovados, parentes e amigos que apostaram neles foi tamanha. A tristeza dos que perderam a aposta foi surpreendente.

A festa foi grande na casa do Wilson...

Teve gente que, ao saber da notícia, não acreditou. Foi tarde da noite conferir o resultado no mural da escola.

Passaram de ano porque investiram na sorte, estudaram mesmo.

E lá foram pagar a promessa naquela sexta-feira treze...

O céu estava sem estrelas. A escuridão parecia cobrir o mundo todo. O cemitério ficava longe da cidade. Os pagadores de promessa chegaram a pé no portão do campo-santo com as velas nas mãos, à meia-noite.

De supetão, Eliezer tremeu, sentiu um frio nas costas, e o seu subconsciente denunciou: “Que mal fiz pra Deus? Que pecado cometi? Que lugar horroroso, é este? Que escuridão! Não consigo ver um palmo adiante do meu nariz”.

Morto de medo, sussurrou no ouvido do amigo:

- Cara! Já passamos de ano mesmo, vamos dar o fora daqui, este lugar é horripilante... Estou me sentindo um rinoceronte, uma besta quadrada, um idiota. Mal consigo tirar os meus pés do chão. Vamos pra casa, algo me diz que isso não vai dar certo.

O Wilson, que tinha a fama de brigão, teimoso e cumpridor de seus deveres, disse:

- Não senhor! Fizemos uma promessa a Nossa Senhora Aparecida, ela cumpriu a sua parte. Agora, vamos cumprir a nossa.

Eliezer respondeu assustado:

- Ah, mano! Esse negócio de pagar promessa é bobagem! Vamos tomar uma “geladinha”, pegar umas gatinhas e vamos chacoalhar os esqueletos no bailão do Mané Neco? Isto aqui é programa de índio! Estamos parecendo dois caciques pisando em terra sagrada e tentando invocar os espíritos para salvar a aldeia de alguma epidemia branca. Vamos cair fora?

Wilson, ao pôr a mão no portão, verificou que estava trancado com cadeado, e disse:

- Que droga! Não sei por que o coveiro tranca o portão do necrópole deste jeito.

Eliezer alegrou-se, e disse:

- Então, ta tudo certo! Se não tem jeito de adentrarmos, Nossa Senhora vai compreender nossa boa intenção; ta paga a bendita promessa!

Wilson, que nunca deixou de pagar uma promessa, disse:

- O inferno ta cheio de gente de boa intenção! Vamos pular o muro... Vamos pagar nossa dívida, custe o que custar! E você vai junto comigo, nem que eu tenha que levá-lo amarrado. Eu não vou pro inferno por causa do seu medo. Larga de ser “cagão!” Se não fosse a promessa, agora estaríamos reprovados, e os “sarristas” iriam gozar da nossa cara para sempre.

Sabendo da fama do amigo bravo, pensou: “Se eu correr, depois ele me pega, me dá uma surra e me traz aqui de qualquer jeito; se eu entrar aí, não sei se volto vivo... To lascado! Onde estava com a cabeça que fui fazer uma promessa dessas com esse louco!... Ah, meu Deus, por que passei de ano?! Sou uma besta!”

Wilson, já meio impaciente, nervoso, disse:

- Pegue aquele pau ali, encoste-o no muro, e vamos pulá-lo, agora mesmo!

Eliezer sentiu um frio na espinha, e pensou de relâmpago: “Além de tudo, tem olhos de águia, como conseguiu enxergar este pau?... Se eu ficar, o bicho pega, se correr, o bicho come...”.

Resolveu atender o amigo. Pegou o toco, apoiou-o no muro, que não era tão alto assim e saltaram. Nesse exato momento, todas as luzes da cidade e as do cemitério apagaram-se de repente. Eliezer deu um grito, dizendo:

- Não falei! Não falei! Vamos sumir daqui, Wilson?

Corajoso que era, do signo de leão, teimoso feito uma mula, o amigo respondeu ao medroso:

- Se você repetir mais uma vez essa conversa mole, vou amarrá-lo numa catacumba e o deixarei até o raiar do dia.

O medroso respondeu imediatamente:

- Você não ta doido! Nem brinque com uma coisa dessas! Estou passando mal, o mundo está rodando... Tudo está ficando escuro.

Seu amigo disse de repente:

- Claro que está escuro, sua besta. O céu está um breu, as luzes apagadas, é óbvia a escuridão!

Do local onde estavam até o cruzeirinho da igreja, tinham mais ou menos trezentos metros. E, depois de tanta lengalenga, começaram a dar os primeiros passos rumo ao lugar prometido.

Os dois uniformizados de camisas brancas e calças azuis, pareciam fantasmas flutuantes. A cada tumba que passavam, Eliezer tremia. E, mesmo naquele breu, enxergavam quase tudo à sua volta... Estavam atentos a qualquer barulhinho que fosse.

O morto de medo, disse:

- Deixa eu segurar na sua mão, senão eu vou desmaiar, estou passando mal, estou enxergando um montão de alma penada... Eu não devia ter feito esta promessa! Deixa?

Mas Wilson, macho pra chuchu, não admitia uma coisa dessas de jeito nenhum, e foi irredutível ao dizer:

- Larga de ser “cagão”, cara! Ta me estranhando! “Cada qual com o seu cada qual...” Isso é coisa de bichinha! De moleque catarrento... Que é isso, Eliezer, você é um homem ou um saco de batata?

O medroso respondeu sem pensar:

- Sou um saco podre, acho que to todo borrado mesmo...

Wilson quis rir, e disse baixinho:

- Não fale uma coisa dessas aqui. Estamos pisando em terra santa.

Eliezer disse:

- Estou de mal a pior... Minha barriga ronca e não é de fome, não!...

Dentro da capelinha do cemitério um velhinho cochilava tranqüilamente... Jamais concordara em morar num asilo... Por isso, sem ter para onde ir, abrigava-se ali há muito tempo.

De repente, Eliezer tropeçou num túmulo e gritou:

- Valha meu Deus!

Wilson, num piscar de olhos, tapou-lhe a boca e disse:

- Cala-te, infeliz. Aqui é lugar sagrado. Não grite.

E, dessa vez, segurando na mão do Wilson, disse:

- Não me solta, por favor, eu lhe imploro!!

E continuaram a passos lentos, em busca do lugar sacrossanto.

O velhinho, seu Mané, levou um susto com o grito. Nunca ouvira nada igual antes. Ficou agoniado e o seu medo o fizera rezar, dizendo:

- Meu Deus, o que foi isso? Não desampare um servo do Senhor.

Levantou-se do chão, e, pela fresta da janela, olhou e viu um vulto indo em sua direção.

Eliezer, de súbito, deu uma parada cinematográfica, e disse no pé do ouvido do amigo:

- Somos dois idiotas mesmo... Vamos acender as velas?!

Alegre com a idéia fascinante, pegou o fósforo. Entretanto, Wilson, mesmo um pouco tenso, lembrou-se que a promessa era acendê-las no cruzeirinho, e disse:

- Não faça isso. Se acendê-las, quebrará a promessa. Não acenda de maneira alguma. Se teimar, juro que eu abro uma catacumba e amarro você junto com o defunto.

Obedecendo, respondeu resmungando:

- Tudo bem, não fique zangado, foi só uma idéia boba.

Seu Mané, enxergando um batalhão de fantasma cada vez mais perto, pegou o rosário e começou a rezar o terço. Apavorado, pegou um lençol branco e se enrolou, tentando se proteger. Mas, de olho arregalado, pela fresta, imaginou pensando: Meu Deus, hoje é sexta-feira, treze, “dia das bruxas!” Dia de fazer despacho, macumba... É o meu dia de azar. Estão vindo me pegar...”

Os dois amigos estavam bem próximos da igrejinha.

Seu Mané, vendo aquela coisa se aproximando demais, sentiu seu coração saltar pela boca... Soltou um pum e barro pra todo lado... Seu medo foi tanto que nem se deu conta de sua “obra-prima...”. Não pensou duas vezes: abriu a portinha da capela e saiu em disparada, gritando:

- Salve-me! Salve-me! Salve-me, Nossa Senhora da Medalha Milagrosa!

Os dois amigos, surpreendidos por aquela imagem aos berros, gritaram:

- Meu Deus! O que é isto?! Minha Nossa Senhora Aparecida!!!

Escafedeu-se cada um para um lado.

Eliezer, o medroso, desabou logo ali perto da tumba do cientista maluco – que dizia ter feito o transplante de cérebros. Wilson escondeu-se detrás do túmulo do rico excêntrico – Zé Goteira... Seu Mané, coitado! Caiu desfalecido sobre uma sepultura eremita.

Wilson começou a rezar:

- Minha Nossa Senhora Aparecida, salve-nos, ó Virgem Santíssima, honra de nossa terra, a quem rendemos um culto de piedade e veneração; tem piedade do meu amigo, não o deixe morrer. A Senhora sabe que só viemos pagar a nossa promessa. Imploro que nos abençoe. Rogai por nós, mãe do amor e da compaixão. Ouça as minhas preces.

Em seguida, como já tinha sido coroinha, rezou o terço em voz alta, e, de repente, caiu em sono profundo.

Ao amanhecer – o sol já mostrando a sua cara, como de costume – o coveiro veio zelar do cemitério. Ao se deparar com um corpo estendido no chão, levou um susto:

- O que é isto meu Deus?!

Mesmo ele acostumado a lidar com defuntos, enterros e histórias assombrosas, teve medo, suas pernas bambearam, só não foi ao chão também, porque era muito corajoso, e tinha muita fé no seu Santo Emídio. Tocou no corpo que se mexeu e resmungou estranhamente... O coveiro exclamou:

- Credo em cruz! Meu Santo Emídio, tende piedade!

O corpo acordou com o grito e, assustado, olhou aquele homem de branco e disse de supetão:

- Aqui é o céu? O Senhor é São Pedro?

O coveiro respondeu:

- Que São Pedro! O senhor ta doido? Quem diabos, é você?

O corpo, afobado, disse:

- Virgem Maria Santíssima! Acho que vim parar no inferno... E o senhor, então, só pode ser o chifrudo, belzebu, o cão! Valha-me Deus! Socorro! Socorro! Socorro!

O coveiro, apavorado, respondeu firmemente, dizendo:

- Cale a boca!... Aqui não é o inferno. Nem sou o diabo... Aqui é o cemitério municipal da cidade, seu idiota, você não está reconhecendo?

Como se demarcasse o território, o corpo deu uma boa olhada para todos os lados, assombrado, e agora, preocupado e entristecido, disse, baixinho:

- Então, quem é o senhor?

E ele respondeu:

- Sou o coveiro.

O corpo levou as mãos à cabeça, desesperadamente, e falou:

- Então eu morri mesmo! O senhor veio me buscar para me enterrar, me sepultar. Valha meu Padim Ciço!!!

O coveiro foi enfático ao responder:

- Não, seu imbecil, você não ta morto! Morto não fala, não vê, não respira e nem discute com o coveiro... Quem é você, rapaz? O que está fazendo aqui? Quem é você?

O corpo respirou profundamente, e disse:

- Acho que sou o Eliezer... Quer dizer, sou eu mesmo... Sou estudante! Cadê o meu amigo, Wilson?

O coveiro quase foi à loucura, e disse:

- Amigo, que amigo? De quem você está falando?

Eliezer disse categoricamente:

- Do Wilson – o fotógrafo – aquele que tira retrato. Todo mundo o conhece. O senhor, não?

Ele respondeu já meio zangado:

- Claro que conheço, todo mundo nesta cidade abençoada o conhece. Eu também.

Eliezer, desconfiado de que o coveiro estava achando que era uma lorota, disse:

- Pois é, ele veio comigo. Quero saber cadê ele. Será que ele morreu?

O coveiro, não entendendo nada, disse:

- Morreu?! Morreu de quê?

Eliezer, o “cagão”, já ficando com medo do coveiro, por ter invadido o cemitério, disse:

- De susto! Ele é muito nervoso... Deve ter sofrido uma taquicardia, ontem, e bateu as botas! Bem que eu avisei que esse negócio de pagar promessa não ia dar certo. No entanto, ele é “teimoso feito uma mula.” Não me ouviu... Ele me forçou a entrar aqui, seu coveiro! Ele me fez pular o muro do cemitério para acender as velas e...

De repente, Eliezer viu, logo adiante, ao lado de uma tumba, um corpo estendido, e gritou:

- Olha lá! Olha lá, seu coveiro! Não lhe falei que ele veio comigo!

Correram até o corpo e, ao se aproximarem, Eliezer assustado, medroso, totalmente confuso, não se lembrava direito do que tinha acontecido – só aquele grito estava dentro do seu ouvido, disse:

- Esta coisa gorda e cagada não é o Wilson, não!

O coveiro quase foi a nocaute, e de cabelos em pé, dessa vez com muito medo também, tremendo, tocou naquela coisa enrolada, desenrolou-o como um raio, e descobriu que se tratava de um senhor idoso. Respirou, ganhou novo fôlego, e impostou a voz dizendo:

- Acorda, bode velho! Acorda! Acorda, cabra sem CPF!!

O velho, abrindo os olhos e vendo-os, quase morreu de raiva, e delirando ainda, disse:

- Será possível que nem no cemitério a gente pode descansar em paz?! Não amola!

O coveiro, irritado, deu-lhe um grito:

- Será que vou ter que chamar a polícia?!

O velho morria de medo de polícia... Despertou imediatamente, reconheceu o coveiro, e disse:

- Calma, não é preciso. Já vou “deitar o cabelo”, agora mesmo.

O coveiro disse:

- Ah, não vai não. Antes quero saber o que o senhor faz aqui, podre desse jeito?

Ainda meio perturbado, respondeu-lhe:

- Sei lá, moço! Eu estava aqui, dormindo no meu cantinho, sossegado, ali na capelinha, quando de madrugada, na hora do despacho, vi um monte de fantasma querendo me pegar, saí correndo e... É tudo o que me lembro.

O coveiro baixou a cabeça reprovando toda essa história, não acreditando muito no que via e ouvia... Enquanto isso, o velho foi até a torneira e banhou-se.

O coveiro interpelou o velhinho, dizendo:

- Então o senhor é o fantasma famoso do cemitério... Que vagueia por aqui toda noite? Seu safado! Seu velho caduco! Passei muitas noites em claro lhe procurando, infelizmente nunca consegui pegá-lo. Que coisa!..

O velho respondeu com autoridade:

- Calma aí... “Devagar com o andor que o santo é de barro!” Respeite-me. Sou um velho sim, mas tenho idade para ser seu pai. Só vim dormir na capela porque não tenho casa. Tenho um monte de filhos, porém, a vida é assim: a gente deixa de comprar um pedaço de carne para educar um filho, para ajudá-lo a ser gente. Quando cresce, esquece de pai e mãe.

Minha mulher morreu há muito tempo, e eu vivo pelo mundo.

Minha mãe sempre dizia que uma mãe vale por cem filhos, mas, cem filhos não valem uma mãe.

Não gosto de asilo. Aquilo é coisa de quem está esperando a morte chegar. Eu ainda quero viver muito. Sou pobre de “marré de si.” Meu bolso há muito não vê um vintém, todavia, sou rico de saúde, gosto do viver.

Nunca assustei ninguém propositadamente. Alguns moleques que vieram aqui “cheirar...”, corri com eles... Foi assim que nasceu o boato do fantasma do cemitério.

O coveiro e o Eliezer choraram de tanto rir. Desvendaram o mistério do fantasma do cemitério casualmente.

Eliezer, ao levantar os seus olhos grandes e negros, avistou seu amigo mais adiante e gritou:

- Olha... olha lá! Agora é o meu amigo irmão Wilson, seu coveiro. Eu não lhe disse que ele veio comigo! Vamos, corre! Corre!

Ao chegarem lá, constataram que se tratava mesmo do colega do Eliezer. Seu Mané, ao vê-lo, gritou:

- Sangue de Cristo tem poder!

Wilson acordou meio abobado, e, assustado, disse:

- Eliezer, cadê as nossas velas?

- Estão aqui. – disse o amigo.

- Vamos pagar a nossa promessa! – disse o Wilson.

Seu Mané e o coveiro ficaram amigos e seguiram os estudantes rumo ao cruzeirinho da igreja do cemitério. Acenderam as seis velas e oraram a Nossa Senhora Aparecida, agradecendo-a por terem passado de ano.

Depois foram à casa do coveiro, tomaram café, e os estudantes lhe contaram tudo o que havia acontecido e o porquê da promessa.

Seu Mané prometeu para o coveiro que nunca mais iria dormir na capelinha e procuraria um albergue ou outro lugar naquele dia mesmo.

O coveiro conta essa história para todo mundo até hoje.

A partir desse episódio os estudantes levaram a escola a sério. Passaram a fechar todas as matérias sempre no terceiro bimestre... Aprenderam a lição: Quem estuda, passa.

E, para todo mundo, Wilson alertava:

- Promessa é coisa séria. Só prometa uma que possa cumprir, porque, promessa é dívida.


Professor Osmar Fernandes
Enviado por Professor Osmar Fernandes em 28/02/2009
Reeditado em 09/05/2009
Código do texto: T1461365

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Praga de mãe



Seu Osmundo trabalhava no sítio como meeiro. Naquela segunda-feira fria do mês de junho, as cinco da matina, já com as tralhas na mão, disse à sua esposa, Josefa:
- Mulher hoje to com desejo de cumê uma galinhada com arroz, bem gostosa! Amanheci com essa vontade tola, besta. Se não for dá muito trabalho, escolha a galinha mais bonita do terreiro e faça aquela bóia.
Dizendo assim, partiu pra roça.
Dona Josefa foi ao terreiro, e escolheu a melhor galinha, a mais gorda e bonita, e muito feliz, foi realizar o gosto do seu homem.
Fez uma galinha com arroz de “dar água na boca” de qualquer um.
 Na roça se almoça cedo. A “bóia-fria” é saboreada por volta das nove ou dez horas da manhã.
Dona Josefa chamou o filho Akira, e o mandou levar a marmita do pai.
O menino, com ela na mão, subiu o morro. Seu Osmundo estava lá no topo plantando... Já morto de fome.
O cheiro do tempero daquela comidinha caseira, quentinha, fez o garoto de dezesseis anos, parar no meio do caminho, e comer toda a carne com voracidade e gula, deixando os ossos da galinha misturados com o arroz.
Notando de longe o filho se aproximar, o matuto ficou feliz, e, mesmo ainda distante, já sentia o cheiro gostoso do coentro, da salsa – a mão santa de sua velha e adorável senhora.  Sua barriga roncando, denunciava muita fome. A marmita saborosa chegando o deixou mais faminto.
Ao entregar a marmita para o pai, o moleque, meio desconfiado, ficou de lado, arredio, e, o matuto ao abri-la, levou um susto, e disse:
- O que é isso? Sua mãe ta doida?! Me mandou sobra de comida?
Akira, assustado, avermelhou-se, e de repente, disse:
- Não sei não, pai...
O filho, vendo a aflição do pai, que era bravo, de repente, sem pensar, falou:
- Olha pai, a mãe estava estranha hoje, muito afobada. Gritou comigo e pediu para eu vir logo, querendo se vê livre de mim, e ainda disse para eu não voltar tão cedo. Daí eu vi, lá debaixo das mangueiras, um fulano mal encarado.  Ele não me viu, mas eu o vi. Não sei quem é, só pude ver que é homem feito. Vi ele entrando em casa com a minha mãe.
O velho trabalhador ficou maluco, irado. Jogou sua marmita com ódio no chão, cuspiu fogo, deu uma escarrada no mundo...  Deu um empurrão no menino, pegou sua foice e partiu aos gritos pelo caminho, dizendo:
- Vou matar essa vaca. Não sou homem de levar “chifre”, não sou touro! Não sou jumento! Nem mula sem cabeça! Nem burro eu sou!!! Não me casei para ser corno!!! Essa desavergonhada me paga!
A coisa ficou azeviche. A cada passo o homem imaginava sua mulher deitada, fornicando com um ou outro sujeito. Não se conformava. Tinha tanta confiança nela.
Perguntava-se enfurecido: “Por quê? O que é que eu fiz de errado, meu Deus? Será que eu atirei pedra na cruz? Isto não é um casamento... É um cagamento.”
Bateu várias vezes na sua cara, dizendo:
- Homem que é homem tem que ter vergonha na cara! Essa vagabunda me paga!!!
De repente, ele olhou para trás e gritou:
- Vem moleque! Corre!  Hoje você vai ver como um homem deve agir com uma vaca, vagabunda, que trai o seu homem.  Mulher que desrespeita o marido merece morrer. Vem!
Ao chegar em casa, foi entrando e, gritando, pegou a mulher pelos cabelos longos e negros – e sem lhe dar tempo de falar algo – desferiu-lhe um golpe fatal no seu pescoço e disse:
- Isso é pela sua traição sua vaca imunda! Mulher minha não se deita com outro, e não fica viva para contar a história. Ainda, descaradamente, teve a coragem de me mandar aquele sobejo – o resto... Quem sabe era a sobra do seu amante, né sua peste? Seiscentos mil diabos!!! Onde ele está vagabunda, fala?!
E o homem, cego de ódio, saiu loucamente à procura do suposto amante da esposa.
Dona Josefa, que, antes desta desgraça, estava trabalhando contente, cantarolando, feliz por ter feito o gosto do marido – seu prato predileto – agora agonizava, olhava para o seu filho, na ânsia da morte, pressentiu o mal que ele havia cometido; o falso testemunho que tinha levantado; e já no último suspiro, disse-lhe:
- Meu filho! Meu filho! Por que fez isso comigo?  Coração de mãe pressente as coisas. Por esta desgraça, por sua calúnia, seu pai me feriu de morte, estou morrendo por sua culpa. Porém, sua vida será triste, sem luz, e todo o dia de sua vida, na hora da fome, sentirá o maior desejo de comer a minha galinha com arroz. Ma, Infelizmente, vai comer grama... Vai pastar como uma vaca.  Você vai me pedir perdão inúmeras vezes. Mas, somente Deus vai poder te julgar... E se lembrará da inocência de sua mamãezinha para o resto de sua vida infeliz. E, lhe digo ainda que, e esta praga nem a morte te libertará.
E, balbuciando essas palavras, expirou.
Seu Osmundo catou uma mala velha, colocou algumas peças de roupas e fugiu, virou andarilho. Ninguém nunca soube do seu paradeiro.
O seu único filho, o primogênito, sem saber o que fazer, com medo, fugiu também, saiu pelo mundo errante, sem eira nem beira.
A família e os vizinhos se encarregaram de fazer o enterro de Dona Josefa.
Akira, como Caim, foi fugitivo e vagabundo pela terra... Ele passou a andar de cidade em cidade e, na hora da fome, sentia aquele cheiro gostoso do tempero de sua mãe.
Entretanto, como praga de mãe pega, pastava em terrenos baldios como um animal. Em datas abandonadas, andava de quatro – como um quadrúpede – imitava os gestos de uma vaca, babava ao saborear o capim, o colonião, etc. E, assim passou o resto de sua vida.
Muita gente ficava abismada ao ver um rapaz jovem, bonito, e vegetando daquele jeito.
Uma bela menina, rica, vendo-o, gostou dele, e lhe disse o seguinte:
 - Moço, por que você pasta como um animal? Isto é repugnante. Venha comigo, meu pai é fazendeiro, arrumo-lhe serviço, um bom salário, e você larga dessa vida desumana e desagradável.
Recomposto, já havia pastado, estava de bucho cheio, sua cor esverdeada, rosto marcante e bem feito, pálido, olhou à moça bonita, uma lágrima rolou de sua face suja de grama mastigada, e respondeu:
- Não, não posso aceitar não! Sou um desgraçado caluniador. Levantei um falso testemunho há três anos atrás. Disse ao meu pai que minha mãe estava com outro homem. Porque eu comi a sua bóia, uma galinha com arroz, o prato favorito do meu pai. Fiquei com medo de apanhar, levar uma surra. Ele era muito bravo. Degolou minha mãezinha querida.  Estou pagando o meu pecado. É praga de mãe!  Nem a morte me salvará.  Vou pedir perdão a ela até o último momento de minha vida. Eu procuro a morte, ela foge de mim.
E falando isso, foi saindo de fininho e desapareceu. Naquelas bandas ninguém mais o viu.
Por onde passava era motivo de chacota da molecada, que judiava dele jogando pedras, atiçando-lhe o cachorro...  E assim, foi triste a sua sina.


“Praga de mãe, pega! Logo, respeite-a com muito carinho e amor. Ou poderá enfrentar uma praga para resto de sua vida.”
Professor Osmar Fernandes
Enviado por Professor Osmar Fernandes em 03/03/2009
Reeditado em 09/05/2009
Código do texto: T1466448

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Reencontro


O marido disse para sua ex-esposa:

- Maria,
Perder você para morte
seria aceitável.
Perder você por incompatibilidade de gênios
seria tolerável.
Perdê-la para outro
seria decepcionante.
Perder você por falta de amor
seria frustrante.
Mas, perder você para uma casa noturna,
é humilhante.

Ela lhe respondeu:

- José,
Não seria aceitável
se eu morresse antes...
Seria intolerável
Se não tivéssemos nos separados.
Pouco seria,
se eu tivesse tido um amante.
Por isso, fui buscar nos braços da noite,
o brilho que você me tirou.

- Maria,
Não diga tanta besteira.
Quando eu lhe conheci
nosso amor tinha mel.
Nossa vida tinha céu.
Nossa corpo tinha fogo.
Nosso sexo era louco.

- José,
É tarde para voltar atrás.
Nosso romance acabou.
Não sou mais aquela dona-de-casa.
Minha vida é essa.

- Maria,
Não vim aqui pedir perdão,
Nem derramar lágrimas no seu colo.
Por acaso, encontrei-lhe nessa devassidão.
Viva o seu mundo torto.
Esqueça-me!
Nosso passado responde por nós dois.
Aqui, sou apenas um cliente.

- José,
Nem que você fosse o único homem
do mundo, iria lhe querer.
Nem que fosse o mais belo e o mais rico.
Transo com qualquer um, menos você.
Virei meretriz, mas, ainda tenho orgulho.
Por favor, vá embora! Não volte mais aqui.

- Maria,
Também não lhe quero.
Sou um homem de vergolha na cara!
Meu amor por você acabou há tempos.
Nosso amor foi incompleto... Deu no que deu.
Não vou embora, aqui é um bordel.
Não vou querer seus serviços...
Tem a vida que merece.

- José,
Vai pro inferno!
Larga do meu pé.
Você é o culpado dessa desgraça.
Meu abismo foi você.
Agora por favor,
Deixa-me em paz!
Adeus!
Professor Osmar Fernandes
Enviado por Professor Osmar Fernandes em 12/05/2009
Reeditado em 12/05/2009
Código do texto: T1589328

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Náufrago do amor


          Depois de cinco longos anos de namoro, noivado; marcamos a data do casamento... A felicidade brilhava em nossos corações. Faltavam vinte dias para o grande dia. Eu não via hora de chegar logo... As horas demoravam passar. Era tanto amor, que, ela era o verdadeiro sentido da minha vida.
          Compramos um apartamento em Maringá. Mobiliamos à caráter. Parecia um pedacinho do nosso céu, e era. Era a nossa cara. O nosso mundo estava cercado de estrelas cintilantes. Se o sol nascia, era motivo para brindarmos; se a lua mostrava a sua face, sorríamos; se a chuva molhava nossa cabeça, brincávamos. Parecíamos duas crianças felízes.
          Precisei viajar para Curitiba, e na Serra do Cadiado, uma tempestade me fez perder a direção do meu carro e bati fortemente... Entrei em coma e fiquei afastado do mundo por seis anos.
           Há seis meses retomei minha vida. Como um fênix ressurgi das minhas cinzas... Tive que aprender a me virar sozinho, perdi tudo. Perdi meu céu, acordei da morte e o meu mundo hoje é obscuro, sem futuro.
           Hoje estou aqui no cemitério diante do túmulo da minha amada. Ela não resistiu a um enfarte há dois anos e teve morte súbita. Eu era tão feliz e hoje tudo é pesadelo. Olho sua foto e choro... Nosso destino não estava escrito assim. Algo deu errado. Eu não entendo!
            Vendi o nosso apartamento. Não consigo gostar de mais ninguém. Eu a amava muito. Nosso amor era um conto de fada. Ela foi meu único amor. Ela vive dentro de mim, eu a vejo em todo lugar, ela está em mim e eu nela. Sem ela o mundo não tem graça. O sol perdeu a cor, a lua perdeu a poesia e a chuva são como lágrimas caindo do céu... Tudo acabou.
             Sou o náufrago do amor. Vivo por viver. Perdi o meu amor. Ela estava viva e eu quase morto. Hoje ela está morta e eu quase vivo. O que permanece é o nosso amor. Vou esperar o tempo que for para encontrá-la e poder reviver nosso amor.
               Eu sei que para muita gente, amar assim, não tem graça. Mas nada me faz mudar de idéia. Eu sei que um dia vou reencontrá-la e vamos ser muito felízes. O meu amor é assim, verdadeiro, completo. Uma tragédia não vai tirar de mim o que tenho de mais precioso, o meu sentimento de amor por ela, porque eu a amo. Até breve meu amor!
         
         
Professor Osmar Fernandes
Enviado por Professor Osmar Fernandes em 27/05/2009
Reeditado em 27/05/2009
Código do texto: T1618053

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