sábado, 31 de janeiro de 2015

O professor de Itu

Tudo começou com o requerimento do professor Bosco, que solicitou aposentadoria por tempo de serviço. Analisado pelo departamento pessoal, foi deferido pelo chefe imediatamente. 

Dessa forma, foi aberta uma vaga na disciplina de História. O diretor da escola, depois de analisar alguns currículos, optou pelo professor Beto, de Itu. Solicitou à secretária que entrasse em contato com ele e o convidasse para uma entrevista. 

A notícia espalhou-se rapidamente pelo colégio, ganhando, inclusive, manchete de destaque no jornalzinho dos estudantes. Todo mundo estava curioso. Afinal, a fama de Itu é grande. Do servente ao diretor, não se falava em outra coisa. O assunto corria solto e malicioso de boca a boca. Dois dias depois, o diretor perguntou à secretária Beth: 

— Você já falou com o professor Beto? 

— Telefonei e deixei o recado na secretária eletrônica, mas até agora ele não me retornou a ligação. 

— Então tente outra vez. 

Beth telefonou novamente para o professor. Dessa vez teve mais sorte e foi atendida por ele. 

— Alô, quem fala? 

— Aqui é o professor Beto. 

— Oi, professor, tudo bem? 

— Tudo bem, graças a Deus. 

— Aqui é a secretária Beth, da Escola Padrão da cidade de Crocal. 

Nosso diretor, o senhor Pedro, está lhe convidando para uma entrevista, pois o nosso professor de História se aposentou e estamos precisando urgente de um substituto. 

O professor respondeu que iria na segunda-feira. Chegaria às quinze horas. A secretária ficou deslumbrada com o vozeirão do professor. Chegou na sala de reuniões tremendo, tomou um copo d’água e exclamou: 

— Nossa! 

A professora Dayane espantou-se: 

— O que foi, menina?! 

— Que voz grossa e linda ele tem! 

— Ele, quem? 

— O professor de Itu. 

A aluna Almerinda, que ouvia tudo, saiu de fininho e foi logo contar a novidade para os colegas. Era intervalo, e no corredor o papo foi um só: 

— Gente! Vocês não sabem da maior: o professor de Itu chegará na segunda-feira, às quinze horas. A Dona Beth falou com ele por telefone e chegou a passar mal só de ouvi-lo. Se a voz a fez tremer, imaginem como deve ser o resto... 

A malícia ganhou corpo pelos corredores. Já havia aluno com ciúmes do professor. As meninas não comentavam outra coisa: “Este professor deve ser uma loucura...”. Pisquila, a “bichinha”, ficou enlouquecida com a notícia. 

Desmunhecou o tempo todo, fantasiando loucuras com o novo professor. O clima era, no mínimo, estranho para um colégio particular de classe média. 

Um colega dele desavisado perguntou-lhe: 

— Por que há tanto falatório sobre o novo professor? 

— Porque ele é de Itu, meu bem! Uma cidade linda do interior de São Paulo. 

— E o que isso tem a ver? 

— Você não sabe, queridinho? Lá, tudo é grande! 

Missada ficou sem entender. Envergonhado, não quis prosseguir o diálogo e saiu discretamente. 

A professora Carlota era “viciada” em homem, mas na escola passava a imagem de santa, de virgem adormecida. Chata, moralista, dava lição de moral em qualquer um que se atrevesse a comentar maliciosamente sobre o professor de Itu. Passando pelo corredor, ouviu uma aluna cochichar: 

— Esse professor deve ser mesmo um gostosão! Deve ter tudo bem grande, ENOOORME! 

A professora, por alguns segundos, “viajou na maionese” e imaginou o professor de Itu fazendo “ Strip-tease” exclusivamente para ela. Em sua fértil imaginação, o homem era um fenômeno sexual, um gigante carnal. 

Arrepiada, saiu correndo para a sua casa. Chegando lá, foi direto para o banheiro tomar uma ducha fria. 

Era segunda-feira, quinze horas. Na frente da escola estava reunido um comitê de recepção. Tinha mais de quinhentas pessoas aguardando a chegada do mais novo e esperado professor do colégio. De repente, parou um táxi. No banco traseiro estava sentado um passageiro exótico... todos ficaram pasmados, o espanto foi generalizado. Desceu do carro e disse: 

— Boa tarde! 

Sorridente e feliz ao ver tanta gente à sua espera, perguntou: 

— Quem é o diretor da escola? 

O diretor, meio sem graça, respondeu baixinho: 

— Sou eu. E o senhor, quem é? 

— Sou o professor Beto, de Itu. 

Nesse instante, Pisquila, a “bichinha”, de supetão gritou escandalosamente: 

— Meu Deus! Que é isso! 

E desmaiou... foi imediatamente socorrido pelos amigos e professores. Não foi nada grave. Socorreram o aluno e as pessoas foram esvaziando o local rapidamente. 

O diretor, extasiado, convidou o professor Beto para ir ao seu gabinete. Fez a entrevista e ficou entusiasmado, contratando o novo mestre. Mas, intrigado com o episódio do aluno, o professor Beto perguntou: 

— O que houve com aquele garoto? 

— Bem... O senhor deve imaginar a reação das pessoas quando se comenta que alguém é de Itu. 

O professor discretamente sorriu, não entrou em detalhes e começou a lecionar... decorrido seis meses, o professor conquistou o seu espaço na escola. O seu sucesso era reconhecido pelos alunos, pelos pais de alunos, pelos funcionários, pelos demais mestres, e principalmente pelo diretor. Sua sabedoria era descomunal... A Escola Padrão não era mais a mesma. Passou a ser um exemplo de ensino, de conhecimento, de disciplina e respeito na região de Crocal. 

No dia 7 de setembro, em frente ao Paço Municipal, estavam reunidas todas as autoridades e todas as escolas da cidade, e o professor de Itu, em seu discurso, disse: 

— A grandeza do homem está dentro dele. Temos que DIVIDIR A RESPONSABILIDADE, SUBTRAIR A DESORGANIZAÇÃO, MULTIPLICAR O CONHECIMENTO para podermos vencer os grandes obstáculos da vida... Pequenos ou grandes, o tamanho não importa. O importante mesmo é ser capaz de conquistar o seu próprio sonho, e ser feliz fisicamente, como você é. Eu sou ANÃO, mas sou um homem realizado. Há muito tempo dizia o sábio pensador: “Nem tudo que é grande é bom, mas tudo o que é bom é grande”. Obrigado! 

Fernandes, Osmar Soares, 1961, 
Espelho de Cristal, 
OSMAR SOARES FERNANDES, 
São Paulo, Ed. Scortecci; 
1º edição: 2001, pág. 46 - 49 

(ISBN 85-7372-574-5)

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