sábado, 31 de janeiro de 2015

Cafezinho das três no cemitério



          Três horas da tarde, sol ardente. Hora sagrada do cafezinho dos quatro coveiros, que, sentados em um túmulo, contavam histórias de arrepiar.
          De repente, o sol se põe. O tempo obscureceu. Começou a trovejar. O céu anunciou chuva, vento forte, temporal. Amedrontados, perceberam que isso só estava acontecendo dentro das limitações geográficas do cemitério. Foi coveiro correndo pra todo lado.
          Nesse momento tremularam catacumbas, túmulos, covas abertas, etc. As folhas das árvores choveram sobre o cemitério. Ninguém enxergava mais nada.
          Um dos coveiros, espantado, notou que o portão grande do cemitério ora abria, ora fechava, e batia uma parte na outra assustadoramente. Parecia o badalo do sino de Deus anunciando o fim do mundo. De súbito, observou uma silhueta vultosa, esbranquiçada, tentando se esconder da tempestade. Não compreendendo o mistério e tremendo de medo, de sua boca ecoou um grito pavoroso, dizendo: "É alma penada! É bicho feio! Valha-me Deus!" Começara a rezar para São Miguel Arcanjo (A Oração contra as ciladas do demônio).
          Nos outros coveiros viam-se apenas seus olhos esbugalhados, fitando aquela coisa estranha que parecia bicho de outro mundo.
          Um dos coveiros tenso, pasmo, seguiu com os olhos aquela “coisa”, que flutuava perdidamente, em ziguezague, em busca de abrigo. Estava morrendo de medo...
          Outro, apesar do momento esquisito e do ser fantasmagórico, só pensava nos túmulos que já tinham sido saqueados. Imaginava que se tratava de mais um vândalo ou de um ladrão, tentando assustá-los. Outro dia mesmo dera falta das inscrições douradas, prateadas, de muitos jazigos. Os parentes das vítimas exigiram das autoridades, justiça. Dias atrás tinha flagrado um idiota defecando em cima de um túmulo. Ao pegá-lo, lhe dera uns safanões, pontapés – este nunca mais se atreveu a importunar o sono sagrado dos mortos.
           O instante era de apreensão, medo, nervosismo. A ventania não parava. Aquela “coisa” esvoaçava como assombração peregrina. E de repente, sumira.
          Um coveiro que não a perdera de vista, foi ao seu encontro. Para sua surpresa se viu diante de um vulto mágico dentro duma cova, levitando. (Aquela cova aberta estava pronta para receber seu ilustre morador, que já estava a caminho.) Assustado, o coveiro chamou um dos colegas, que ao se aproximar, deparou-se com aquela “coisa” dentro da cova. Foi tomado por uma síncope descomunal... Ao sentir-se vivo novamente, tratou de abandonar seu companheiro, seus pertences e deitou o cabelo.
          Outro coveiro vendo aquela cena, aproximou-se, e ao ver aquilo, gritou: Sangue de Cristo tem poder! Isso é alma penada mesmo! Minha Nossa Senhora da Boa Morte! Saiu em disparada com as mãos à cabeça, tropeçando, caindo, se levantando, e aos berros dizia: Deus me livre! É o fim dos tempos! Socorro!
          O coveiro, o corajoso, que olhava a “coisa” resolveu lhe perguntar de supetão: - Que faz aí dentro dessa cova que não lhe pertence?
          "A coisa” com uma voz trêmula do além, lhe respondeu sem pestanejar: - Vocês não me deixam em paz. Sentam em cima de mim contando histórias cabeludas, mentirosas; e ainda por cima, sujam meu túmulo com farelo de pão, de bolacha, café.
          O coveiro, o corajoso, então lhe disse: - Vou chamar o padre para lhe dar a estrema-unção. Você não diz coisa com coisa. Está louca! Tá na ânsia da morte.
          E a “coisa” ali, como alma penada que era, engoliu a língua por uns segundos... E lhe respondeu: - Não precisa! Já tô morto há muito tempo. Não tá me conhecendo? Sou o Luiz. Você que me sepultou. Não se Lembra de mim, Roberval?
          O coveiro perturbado pensou: "Santo Deus, isso não tá acontecendo comigo! Vou buscar água benta e vou jogar em cima desta coisa esquisita. Será que é o Luiz mesmo..."
          A “Coisa” lhe respondeu aborrecida: - Claro que sou o Luiz!... Você e os seus colegas estão usando meu túmulo como cozinha de cemitério. Não façam mais isso. Deixem-me descansar em paz. Quero ter o sono eterno que mereço.
          E, falando isso, a alma penada elevou seu espírito até seu túmulo que se abriu sozinho...  Ao adentrá-lo, disse: "Dêem-me paz!"  Ao repousar, fechou-se o túmulo, e misteriosamente, o temporal cessou.
          Os coveiros do cemitério ficaram extáticos ao ver aquela alma se refugiar. Roberval comentou com os demais colegas de serviço o pedido que o Luiz lhe fizera...  Prometeram que nunca mais usariam túmulos para tomar o costumeiro cafezinho das três.
          Contam essa história para todos os visitantes, e  lhes pedem encarecidamente, para que não sujem o cemitério, e mantenham limpos os túmulos dos seus entes queridos.
Professor Osmar Fernandes
Enviado por Professor Osmar Fernandes em 26/02/2009
Reeditado em 05/05/2009
Código do texto: T1457860

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2 comentários:

  1. O coveiro, o corajoso, que olhava a “coisa” resolveu lhe perguntar de supetão: - Que faz aí dentro dessa cova que não lhe pertence?
    "A coisa” com uma voz trêmula do além, lhe respondeu sem pestanejar: - Vocês não me deixam em paz. Sentam em cima de mim contando histórias cabeludas, mentirosas; e ainda por cima, sujam meu túmulo com farelo de pão, de bolacha, café.

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  2. Esses contos são de arrepiar hein...

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