sábado, 31 de janeiro de 2015

Saco de esmola




         Em cidadezinha do interior todo mundo conhece todo mundo. Tem suas peculiaridades, seus artistas, seus loucos. Tem o bobo, o doido, o jornaleiro, o intelectual, o bêbado cômico, o mendigo, o mentiroso, enfim. Pelo latido do cachorro se conhece o dono.
          Na cidade de Garganta Teimosa, Tonho Titica, o pedinte amado por uns e odiado por outros, chegou bem cedo no boteco do seu velho amigo de infância, Zé Capeta - dono do bar dos cachaceiros - adentrou o estabelecimento, alegre, e foi logo dizendo:
          - Bom dia, Zé Capeta! Posso deixar o meu “saco de esmola” ali, naquele cantinho esquecido? Vou lá no posto de saúde buscar um remédio e volto já, já.
          Zé Capeta sisudo, cara de fome, bigodudo, respondeu-lhe:
          - Se você for num pé e voltar noutro, pode sim. Mas, tem que ser ligeiro! Minha clientela chega cedo, e... Bem, vá logo, e não demore.
          Mas, o infeliz, tentando atravessar a rua, foi atropelado por um jerico, que, andava à solta... E foi imediatamente, hospitalizado. Lá, permaneceu por três dias.
          Tonho Titica, ao receber alta médica, foi correndo buscar o seu “saco de esmola”.
          Ao chegar no boteco, deu por falta do saco... O cantinho estava vazio. Desesperado, gritou para o dono do boteco:
          - Por Deus, Zé Capeta, cadê o meu saco?!
          O Zé que já não se lembrava mais do saco, respondeu na bucha:
          - Sei lá do seu saco, Tonho Titica!
         Mas, como tinha memória de elefante, recobrou as idéias, e disse:
          - Sei lá daquela porcaria! Eu bem que lhe avisei que fosse num pé e voltasse noutro. Não foi? Agora, depois de três dias, você me aparece e quer que eu lhe dê conta do saco! Ta brincando comigo, né?!
          O mendigo levou as mãos à cabeça, e disse:
          - Você não pode falar assim do meu saco! É tudo o que eu tenho na vida... É a minha herança, meu tesouro.
          O mendigo, triste, baixou a cabeça, pensou... E falou:
          - Ta vendo aquela fazenda, ali, é de João, tem muitos alqueires e milhares de bois. O que ela vale para você?
          Zé, indignado, respondeu na lata:
          - P’ra mim não vale nada! Por quê?!
          O mendigo olhando bem no fundo dos olhos do amigo, disse:
          - Pois é, mas para o João vale muito, é tudo o que ele tem na vida.
         E, ao ver um carro novo passando, insistiu:
         - Ta vendo aquele carro lá, é do Pedro, é carro do ano, novo. O que ele vale p’ra você?
         Zé Capeta, meio irritado, respondeu-lhe:
         - Nada! Nada! Nada! Que pergunta besta é essa?!
         Tonho Titica emocionado, disse-lhe:
         - Zé, o meu saco de esmola também não vale nada pra você, mas, pra mim é tudo, é tudo o que me resta na vida. É minha fazenda, meus bois, meu carro zero... É a minha vida, meu tesouro. Pode ser velho, sujo, fedorento, mas é meu... Meu! É meu!! É meu!!!
          Zé Capeta procurou chão nos pés e não achou. Nunca tinha imaginado, pensado numa coisa dessas. Envergonhado diante de sua clientela, disse para o seu amigo de infância:
          - Calma! Vou comprar um saco novinho em folha pra você. Aquele estava mesmo precisando ser trocado. Estava velho demais.
          O mendigo perturbado, disse-lhe:
          - Falei um quilo e você não entendeu uma grama!... Não quero um saco novo; quero o meu! Ta me entendendo?! Olhe bem pra minha boca: o meu!!!
          Zé ficou encabulado diante daquela situação medonha. Percebeu que o mendigo não desistiria nunca do seu saco.
          Tonho Titica ao falar do seu saco, falava com gosto: “É meu!...” Como se estivesse falando de um saco de ouro.
          Então, Zé Capeta resolveu acalmá-lo, e disse-lhe:
          - Está bem! Vou encontrar o seu saco de esmola, nem que seja a última coisa que eu faça na minha vida. Vá embora e amanhã venha buscar o seu saco; aquilo que você chama de tesouro.
          O mendigo saindo do bar, dizia a si mesmo, resmungando: “Passarei a noite em claro, não vou dormir. Vou fazer promessas para as Treze Almas Benditas e para São Longuinho.”
         Zé Capeta foi em busca do saco de esmola do Tonho Titica. Saiu à caça pelo bar perguntando para os empregados e para todo mundo, se alguém tinha visto ou pego o saco. Mas, ninguém sabia de nada. Foi aí, que, teve uma idéia supimpa... E esperou o mendigo vir buscar o saco conforme combinado.
          No dia seguinte, Zé Capeta ao vê-lo chegar no seu bar abriu um largo sorriso, e disse-lhe:
          - Aqui está o seu saco... Ficamos discutindo e nos esquecemos de procurá-lo direito. Ele estava ali debaixo do balcão. A empregada ao varrer o bar o colocou lá, e nós não o vimos. Enfim, aí está o seu tesouro.
          O mendigo ao pegar o seu saco ficou tão feliz e empolgado, que se esqueceu de dizer muito obrigado ao seu amigo, e foi-se embora, desapareceu, evaporou que ninguém viu.
          Zé Capeta disse aos clientes que assistiram o desenrolar de toda aquela lengalenga:
          - Se todo mundo desse valor nas coisas que tem, como esse mendigo, o mundo seria bem melhor e as pessoas seriam mais felizes. Ninguém iria achar o tempero da vizinha melhor que o seu... A inveja – o dom dos incapazes – seria sepultada para todo o sempre.
          Um dos clientes, curioso que era, perguntou ao Zé Capeta:
         - Mas, como você encontrou o saco do Tonho Titica mesmo?
         Ele respondeu:
         - Ah! Isso eu não conto não, é segredo de Estado. Meu pai sempre me dizia: “Quem rouba um tostão rouba um milhão e a ocasião faz o ladrão!”
     
        
Professor Osmar Fernandes
Enviado por Professor Osmar Fernandes em 14/03/2009
Reeditado em 09/05/2009
Código do texto: T1485586

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