sábado, 31 de janeiro de 2015

Aparição do Capeta

 


          Certo dia, noite escura, num terreno baldio, próximo a Igreja Católica, daquela cidadezinha esquecida do mundo, três moleques arteiros, satânicos, pegaram uma abóbora, bem grande e fizeram dela uma caveira bem feia – o satã em pessoa; acederam uma vela vermelha e a fixaram na cabeça de um toco e a puseram por cima. Ficou parecendo o demo do inferno, o capeta mesmo.

A missa acabaria às vinte horas. Os fiéis, que, passariam por ali, a pé, certamente a veriam; ela estava num ponto estratégico, bem na esquina. Era uma caveira feita de abóbora, mas o pessoal, assustado, viu o Capeta mesmo, o verdadeiro satanás do inferno.

O pessoal ao sair da missa, viu o capeta em pessoa e  gritou: Valha-me Deus! É o cão!... Jesus, socorro! Tende piedade! Minha Nossa Senhora da Aparecida! Salve-me Senhor! Salve-me! 

Foi gente correndo para todo lado. O diabo tava solto... Os três capetinhas caíram na gargalhada... quase se mijaram de tanto rir daquela traquinagem. Quando o local se esvaziou, saíram da moita e se depararam com um corpo estendido no meio da rua.

Joãozinho, o nanico, gritou: É a dona Julieta! Ela tá mortinha da silva! E, agora, meu Deus?! Tamo lascados!

Pedrinho, o gago, disse: Viiixeee, aaagooraaa desgraçou tuuuudo! Vooouuu deeeiiitaaar oooo caaabeeeloo!

Luquinha, o mala-sem-alça, esbravejou: Cala a boca, gago, infeliz! Calma aí, seus frouxos, ninguém viu a gente! Não vai nos acontecer nada! Ela morreu de susto! E daí?!... Vamos tirar a caveira dali e vamos dar no pé.

Feito leopardos, esconderam a caveira demoníaca e se escafederam.  Não demorou muito e a polícia chegou ao local. D. Julieta foi levada ao hospital, e lá, acordou do susto, foi medicada e falou:

          - Meu Deus, onde estou? O que era aquilo?! Eu preciso falar com o Padre Bento. Era o Demônio em pessoa! Valha-me Deus!  Credo em cruz três vezes!

O médico e a enfermeira disseram para ficar calma porque naquela idade era comum ver coisa que não existe, coisa anormal, sobrenatural; é o poder da mente humana. Deram-lhe um calmante e ela apagou em sono profundo.

A notícia, como rastilho de pólvora, ganhou a cidade, e o falatório era um só, de que Dona Julieta tinha batido as botas porque tinha visto o capeta. Os três endiabrados, assustados, sabendo do acontecido, se esconderam, cada um em sua casa, debaixo da cama.

O pai do Joãozinho disse para esposa:

- Bem, Dona Julieta viu o capeta e morreu! Estão falando que o Demo veio buscá-la. Faladeira como é, não duvido nada... Amor, toma cuidado, viu!

E a esposa lhe respondeu:

- Tá louco, homem, eu não falo da vida de ninguém, não! Tenho mais o que fazer.

O marido deu uma risadinha maliciosa e foi trabalhar.

O investigador de polícia fazia uma busca no local do crime e achou uma pista, um pé de chinelo de tamanho trinta três. Era a única prova que tinha em mãos. Chegou na delegacia e disse ao Delegado:

- Senhor delegado, aqui está à prova do crime!

Dr. Clécio riu e lhe disse:

- Quer dizer que o capeta perdeu um pé de chinelo e foi saltando para inferno. kkkkkkkkkkkkkk (RIU TANTO QUE SE ENGASGOU). Esse capeta tem que ser enquadrado, Cido! D. Julieta, sua vó, quase morreu e tem gente trancada dentro de casa com medo. Esta cidade está de pernas pro ar.  Cidade pequena com problema de cidade grande. Se esse povo não melhorar, Deus vai aniquilá-lo, assim como fez com Sodoma e Gomorra.

O Investigador pensou: “Vou pegar o desgraçado que fez isso com a minha vó. Ateu, eu não sou não; daí, acreditar que isso é obra do Demo, já é demais para minha inteligência”.

O Padre Bento, assim que soube do acontecido entrou no terreno baldio e fez uma devassa, procurou por todo lado e achou a cabeça da abóbora e a vela, debaixo dum pé-de-limão, e pensou: “Eu sabia que não tinha diabo nenhum nessa história! Esse meu povo inventa cada uma! Perdoai-os, ó Deus! Povo de pouca fé!

Com a notícia da aparição do capeta, a Igreja superlotou, a primeira missa do dia seguinte, estava cheia e o dízimo aumentou sobremaneira, e o Padre ficou pensando se dizia ou não no sermão sobre a aparição do Demo. Pensou... E, nada falou.

Os três pestinhas se reuniram, e Luquinha disse:

- A velha não morreu... Com o susto, desmaiou. Ela sairá do hospital hoje à tarde.         

Pedrinho, o gaguinho, disse:                 

- Maass, aaa pooolíciiia está investiiiigaaando. Oooo queee fiiizeeemos ééé criiime; dáaa cadeeeeiiia! Seee aaa políiiciiiia deeescoooobriiir queeem feeez iiisso, aaa ciiiidaaaadeeee toooda fiiicará saaaabeeeendo. Nóooos vaaaamos seeeer liiinchaaaadooos!

Joãozinho, o nanico, disse:

- Eu sou coroinha, vou me confessar com o Padre Bento e vou lhe contar tudo. Se o meu pai souber disso vou levar uma peia, uma surra daquelas de tirar o couro... Deus me livre de ir para cadeia!

Os dois amigos disseram juntos:

- Você não tá nem doido! O Padre vai matar a gente!

Joãozinho disse:

- Eu tô com medo!

Os três amigos fizeram um pacto: Nunca contariam sobre a caveira para ninguém. Levariam esse segredo para o túmulo.

Joãozinho confidenciou: “Perdi um pé de chinelo, presente do meu pai. Fui lá na data procurar e não o achei. Temos que achar o chinelo logo”. Seus amigos não lhe deram ouvidos e foram-se embora.

O investigador conhecia todo mundo da cidade, saiu de casa em casa perguntando se aquele chinelo pertencia a alguém daquela residência. Luquinha ficou com os olhos estatelados ao vê-lo em sua casa, perguntando à sua mãe se ela não tinha dado falta de um pé de chinelo.

Luquinha reuniu seu bando, imediatamente, e disse:

- Vamos roubar aquele pé de chinelo do Cido, hoje à noite. Ele vai sempre jogar no Tunguete. Vamos aproveitar esse momento e vamos em sua casa buscar o pé de chinelo. Não tem outro jeito. Ou fazemos isso ou esse sujeito vai descobrir tudo.

O Delegado foi à Igreja, logo após a missa, e disse ao Padre Bento:

- Padre, o meu investigador tem uma prova cabal do malfeitor. Creio que dentro de poucas horas iremos elucidar o caso.

- Doutor, que prova é essa?

- Respeito-lhe, demasiadamente, Reverendo, mas, isso é segredo de Justiça. Não posso dizer de jeito nenhum. 

- Mas, Seu delegado, eu sou o Pároco, pode me falar, vou guardar segredo. Quantas vezes você já se confessou comigo?!

- Padre Bento, isso não é um pecado, é segredo profissional.

- Meu filho, eu lhe vi nascer, lhe batizei, lhe crismei, foi meu coroinha. Vai ter coragem de fazer isso comigo? Conta-me logo que prova é essa?!

- Conto não! Não posso! O senhor pode revelar sobre as confissões dos fiéis?

- Claro que não! Jamais violarei o segredo do Confessionário. Exerço a minha batina e a honro com a fé com a qual Deus me confiou, e obedeço piamente o Código de Direito Canônico.

- Eu também não posso revelar sobre essa prova, sou o homem da justiça. Não posso violar a confiança do meu investigador, nem a lei, estaria cometendo um crime.                   

O Delegado foi-se embora com a pulga atrás da orelha e pensou: “Porque tanto interesse do Padre nessa prova...”.

Paulinho viu seu filho descalço e lhe disse:

- Joãozinho, cadê o seu chinelo? Já lhe dei o chinelo de presente para não ver você descalço. Não ande descalço, menino! Vá calçar o chinelo, agora!

Joãozinho correu à casa do amigo e lhe pediu um chinelo emprestado, e Carlos lhe disse:

- Mas você tem que me devolver logo, senão meu pai me dá uma surra também.

Pedrinho era muito religioso e naquele dia, resolveu se confessar com o Padre... Contou tudo e admitiu que estava com medo do investigador descobrir toda a história porque seu amigo tinha perdido um pé de chinelo. O Padre Bento pensou: “Mas, Cido, é ateu. Tenho que dar um jeito de calar a sua boca”. O Padre arquitetou um plano e mandou o seu Sacristão chamá-lo, urgentemente.

Rubens, o puxa-saco, foi à casa do investigador e, disse-lhe:

- Cido, o padre Bento quer vê-lo, agora, já! Ele disse pra você ir lá, correndo, imediatamente, agora mesmo!

- Mas, que diabo o padre quer comigo? Não devo nada para Igreja. Não sei nem se acredito em Deus.

- Não fala assim não, rapaz! Deus é tudo e tudo é amor. O padre não tem diabo nem um. Vai logo e saberá do que se trata. Quando o padre chama é como se fosse Deus... Vá logo!

- Sei lá, tenho minhas dúvidas! Mas, fala pra ele que mais tarde eu passo por lá.

Dona Julieta visita o padre Bento e lhe diz:

- Padre, eu nunca vi bicho mais feio que aquele. Era o Demo, o Demônio em pessoa. Minha Nossa Senhora da Aparecida! Só de falar naquilo fico toda trêmula. Eu fiquei frente a frente com o chifrudo do inferno. Eu já preparei uma novena. Vamos começar amanhã cedo. Padre, eu disse para os que me visitaram no hospital que se o Demo está aqui é porque estamos sem fé; é um sinal dos céus. Por isso, vamos fazer a novena.

Aquele acontecimento abalou a cidade, a zona rural e toda redondeza. Nas Igrejas, o boato era o mesmo: O Capeta está fazendo tocaia em nossa cidade.

O Padre Bento ficou com a consciência pesada e pensou: Será que devo falar sobre essa história, hoje, na hora do sermão... E, se perguntou: Será que devo levar o assunto ao Bispo?

As Igrejas protestantes começaram a fazer cultos durante o dia todo... Até os ateus temeram e começaram a procurar Igreja. A cidadezinha pacata acordou, já não era a mesma! Era gente acendendo velas no Cruzeiro do Cemitério; despachos nas encruzilhadas; promessa para todos os santos e novenas... Enfim, os religiosos se mexeram de forma jamais vista naquele lugar. Em todas as Igrejas as oferendas aumentaram, significativamente. O comércio de produtos religiosos vendia como nunca. A cidade estava prosperando.

Um velho bêbado disse o seguinte no boteco: "Esse diabo fez foi bem para a cidade, tá todo mundo prosperando e a veia linguaruda se curou, não fala mais da vida dos outros... kkkkkkkkkk".

A “palavra do dia” numa Igreja Protestante, dizia: O Senhor disse a Satanás: "De onde você veio? "Satanás respondeu ao Senhor: De perambular pela terra e andar por ela". Jó 1:7. O que causou grande temor aos fiéis.

O Investigador chegou à Casa Paroquial e foi, imediatamente, atendido pelo Padre, que, o levou ao seu escritório e lhe disse:

- Meu filho, eu lhe peço, encarecidamente, que, pare com a investigação sobre a aparição do Capeta.

- Padre, o senhor está me pedindo algo que não posso atender. E, o senhor não pode atrapalhar a investigação, não! Isso é crime também.

- Por que, meu filho? 

- Padre, eu quero pegar o desgraçado que fez isso com a minha vó. Ela quase bateu as botas. Tenho certeza que não tem nada a ver com coisa doutro mundo. Isso foi coisa de moleque, de vândalo; brincadeira de mau gosto. Se não fizermos alguma coisa para punir o responsável, ainda vamos perder um ente querido. Esse cão tem que ser preso! O senhor não acha?

- Meu filho, nem tudo parece o que é. Deus tem desígnios que só pertence a Ele. Veja o movimento da nossa cidade. O povo voltou à Igreja, voltou a ter medo dos castigos de Deus. Isso vai fazer a criminalidade zerar. Nunca se viu tanta reza por aqui. O povo voltou a temer a Deus. Os meninos e as meninas voltaram para o catecismo. O fervor da fé voltou a tomar conta da nossa cidade. Nunca vi você na missa. Falam que é ateu... Mas, pare com essa investigação, pelo amor de Deus!

- Padre Bento, eu sou agnóstico... Não estou lhe entendendo! O que tem a ver uma coisa com a outra? A autoridade policial tem que fazer a sua parte e é o que estou fazendo e não vou parar enquanto eu não pegar o meliante que fez isso.

- Meu filho, eu sei que você é um exímio Investigador de Polícia, mas, essa história não pode ir adiante. Pare de investigar. Essa história acabou fazendo um milagre por aqui. O povo voltou a ter Deus no coração. Isso não é bom?

- Padre, eu acho que o senhor está sabendo demais. Já descobriu a verdade?

- Vieram me dizer que você anda perguntando nas casas se alguém deu por falta de um pé de chinelo.

- É verdade! Eu achei um pé de chinelo novinho em folha, naquele matagal, local que dizem ter visto o Capeta. Vi muitos pisados por lá... De pés pequenos.  E, cheguei à conclusão que tem mais de um envolvido nessa tramoia. Padre, eu vou achar o criminoso que quase matou a minha vó, custe o que custar!

O Padre franziu a testa várias vezes, irritado e pensou: “Vou ter que falar com o superior desse traste e pedir para que o transfira daqui, pra lá onde o diabo perdeu as botas... Vou falar com o prefeito pé-de-boi".

O Investigador foi-se embora e não hesitou em dizer para o delegado sobre a sua visita na casa do Padre:

- Doutor, estou vindo da casa do padre.

- Que diabos você estava fazendo na casa do Bento?

- Eu fui lá porque ele mandou me chamar... Estranhei, mas... O senhor sabe, Padre é Padre, enfim.

- E o que a Igreja queria contigo?

- Só faltou se ajoelhar pra mim, Doutor. Implorou para eu parar com as investigações sobre a aparição do capeta.

O Delegado coçou seus poucos fios cabelos da cabeça e disse: “Aí tem coisa!”.  E disse ao Cido:

- Você me traga o pé de chinelo e me entrega, ainda hoje. 

- Doutor, ele está aqui, na minha mochila... pega!

- Então, essa é a prova do crime?

-  Pois é, Cabo, a partir de hoje em diante, essa investigação é minha. Você está fora desse caso. Vai cuidar de descobrir quem roubou o Jumento, do Zé Galinha, que ele está me enchendo o saco, e até hoje, você não descobriu nada.

O Investigador de Polícia obedeceu seu superior e saiu à procura do ladrão. O Doutor Clécio foi ter com o Padre Bento, cinco dias depois, e disse:

- Padre, eu tenho a prova do crime aqui em minhas mãos, e já descobri tudo e vou prender o bando que fez isso.

- Doutor Delegado, o senhor tem o quê em mãos?

- Eu tenho o pé de chinelo.

- Pé de chinelo?... O que isso tem a ver com a aparição do Capeta?

- Tem tudo a ver, padre! É a prova que não existe Capeta nenhum. Isso, foi armação de moleques. Dona Julieta quase morre e tem gente que ainda está sob efeito de calmantes... Não é justo! Esse crime não pode ficar impune! O Senhor entende, né? Vou prendê-los ainda hoje.

- Esse chinelo não prova nada, delegado. Qualquer pessoa pode ter ido naquele matagal e o esquecido. Todo moleque gosta de brincar em terreno baldio.

- Será, Padre? 

- Claro, delegado! Cuidado para não incriminar inocentes, porque, daí o criminoso será o senhor e isso Deus não perdoa!

- Padre, o senhor está muito interessado no encerramento dessa investigação, por quê?

- Pense bem doutor, depois que viram o Capeta por aqui, a cidade melhorou muito, todo mundo passou a ir à Igreja. Até o roubo de galinha, parou. As missas estão lotadas. Nunca vendeu tanto produto religioso como agora. Pense no sossego que nossa cidade vive hoje. A calmaria tomou conta da nossa cidade.

- É... Padre Bento, pensado por esse lado, o senhor está coberto de razão. Minha delegacia está um deserto, nem um B.O., nem de briga de casal. Nunca vi tanta paz em nosso Município.

- Então, pra quê elucidar esse episódio? Deixa o povo pensar que o Diabo anda solto por aqui... louco pra dar o bote!

- Mas, Padre Bento, o Capeta não anda por todo canto do mundo, doido para tomar conta da nossa alma?

- Sim. Mas, essa já é outra história.

O Delegado deu o pé de chinelo para o Padre e deu o caso por encerrado. O Padre chamou Joãozinho e lhe deu o chinelo e lhe disse: “Vê se não o perde mais...”.

Os três capetinhas voltaram a participar, assiduamente, das missas e a ajudar o Padre no catecismo. Toda vez que o povo fraquejava na fé, desanimava na crença, deixava de ir à missa, aos cultos, e a criminalidade aumentava... a aparição do Capeta era certa.

 

Professor Osmar Fernandes, em 07/09/2009


Código do texto: T1797659
Classificação de conteúdo: moderado


Um comentário:

  1. O médico e a enfermeira diziam para ela ficar calma porque na idade dela era normal ver coisa que não existe... Deram-lhe um calmante e a fizeram dormir.

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